Em um dia de chuva

Mais um dia de chuva.

O barulho e a umidade da chuva chegaram antes que ela abrisse os olhos. Mas que raio de verão é esse? Que dia eu vou acordar com a luz do sol na minha janela? Nada a deixa mais de mau humor do que acordar com um dia nublado.

Ato contínuo: Deus, toma conta dele. Cuida pra que o dia seja bom, pra que ele se dê bem no trabalho, protege das coisas ruins. E faça com que ele pense em mim - só um pouquinho, vai?

A cabeça não para. E nesse dia de chuva, o que será que ele vai fazer? Quem vai encontrar? Não importa que esteja chovendo: bom humor ele sempre tem. Sempre a ameaça do sorriso está lá, paradinha, balançando no canto dos lábios dele. O sorriso sempre brilha em seus olhos, mesmo que ele esteja sério.

Essa foi uma das coisas que mais a deixou encantada: eles são tão diferentes, que quando ela pensa, não consegue entender como foi que ficaram tão próximos. Se ele é só sorrisos, ela é toda bravinha.

Ela usa tanta zanga como escudo. Uma carapaça. Porque, no fundo, ela é doce, delicada, sensível nas últimas consequências. Precisava se proteger das agressões do mundo e se fez de durona para afugentar os males e os outros. Botou um espantalho na frente de seus sentimentos. Não um daqueles bonitinhos de ilustrações infantis. Seu espantalho está mais para um amontoado de roupas velhas e meio emboloradas - um monstrengo.

Tudo o que ela mais quer é se abrir para ele e se mostrar como realmente é. Mas ele a admira de um jeito tão intenso, tem tantos elogios pendurados nos olhos, que ela tem medo. Que ele descubra como ela é ingênua, às vezes imatura e infantil, e escape. Não é possível que ele tenha essa paciência toda, ela já pensou mais de uma vez.

Por isso, ela cozinha essa relação em fogo brando. Por maior que seja a ânsia de estar com ele, por mais que ela queira tomar a iniciativa, essa indecisão, para ela, é menos pior do que colocar tudo em pratos limpos. Vai que ele realmente me quer? É muita responsabilidade, esse negócio de ser feliz. E de fazer outro feliz. A imensidão dessa realidade bate na sua porta todos os dias.

Nesse caldeirão de sensações, ela se paralisa. Não sai do lugar e está cada vez mais - cada dia mais - infeliz. Porque a cada "meu anjo" que escuta dele, a cada abraço, a cada vez que sente o seu perfume, ela entra mais fundo nesse labirinto. E não chega nem perto da porta.

Por que não tentar?: ela já cansou de se perguntar. Mas por mais que esprema a cachola, não chega a uma conclusão. Não quer abrir mão do pouco que tem. Esse pouquinho, esses caquinhos de emoção, é que tornam seu dia mais coloridos: esses momentos, tão breves, são o arco-íris de sua chuva.

Mais um dia de chuva.

E ela só esperando o arco-íris.

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