Baião de dois

Só tinha tido um único homem na vida.

Fazia tempo que ela namorava o mesmo rapaz: desde os 15, 16 anos estavam juntos. Quando chegaram ao final da faculdade, ficaram noivos. Nada mais natural.

Ele quase fazia parte da sua família. Aquela intimidade que irrita, sabe? Aos sábados, chegava na sua casa após o futebol, suado, sujo e se sentava no sofá da sala, como se morasse ali. E, o cúmulo do absurdo, sua mãe achava tudo supernormal. "Imagina, filha, ele sai correndo do futebol só pra te ver" - meu Deus.

Ela só conseguia pensar em como seria sua vida de casada. Se antes de se casarem, já estava assim, como é que seria no futuro? Mas depois repensava, achava que tudo era assim mesmo, e continuava essa relação que parecia um mingau: morninha, morninha.

Ansiava por um homem, um de verdade, daqueles que pegavam pelos cabelos, que encostavam na parede. Alguém que a fizesse sair de sintonia, que a deixasse fora do ar mesmo com os pés no chão. Mas seu noivo era o oposto de tudo isso: fosse por estar acomodado na relação, fosse por falta de iniciativa mesmo, fazia tempo que a troca de carícias parecia, e muito, com uma camaradagem entre amigos.

Ela, aos poucos, ia se acomodando, e achando que esse fogo era coisa de ficção. Casa quase toda montada, eletrodomésticos, eletrônicos, enxoval, cortinas, utensílios... como jogar tudo para cima?

Até que ela achou seu outro amor. Uma coisa à toa: resolveu mudar o caminho que fazia todos os dias e, duas ruas para cima, trombou com ele. Tinham sido colegas na escola e, nesse reencontro, resolveram tomar um suco. Ali, bem ali na lanchonete, na frente de todos - como é que ninguém percebeu? - os olhos brilharam, as mãos se tocaram e, na troca de sorrisos, o fogo se acendeu.

Insegura, ela achou que tudo era imaginação, apenas o reflexo de uma vontade imensa de se sentir desejada. Mas quando ele insistiu em acompanhá-la em seu percurso, percebeu que a coisa era mesmo para valer. Se esconderam das vistas de todos na primeira esquina, ansiosos por descobrirem se as bocas tinham mesmo o gosto que imaginaram.

Ah, sim, ele era tudo o que ela queria. Sim, falava bobagens no pé do seu ouvido; tinha um jeito só dele de acariciar os cabelos da base de sua nuca que a enlouquecia, a deixava com as pernas bambas, a boca seca e com vontade de voar. Ele cantava baixinho no seu ouvido, aparecia nas horas mais malucas com os convites mais inusitados. Trazia flores, bombons, perfumava o travesseiro no qual ela se deitaria em sua cama, acordava-a com beijos nos olhos, sorrisos e carinhos. Era tudo o que ela queria.

Por ele, ela estava disposta a jogar tudo para cima: família, trabalho, noivo, casa, sei lá mais o quê. O que ele pedisse, o que ele quisesse, ela daria. No fundo, desde a primeira vez ela já tinha se resolvido a mudar sua vida. Mulher, quando quer, é decidida assim.

Ela só não contava que ELE não ia querer. Ele sempre dava um jeito de se esquivar, de mudar de assunto e um dia, de tanto pressionar, ela descobriu a verdade: ele já era casado - morava com a esposa em outra cidade.

Ela enlouqueceu. Chorou, gritou, bateu nele... a vontade que tinha era de arrancar-lhe os olhos com as unhas, de talvez fazê-lo sentir um décimo da angústia que estava sentindo. Nesse ímpeto de raiva, cega de desespero, resolveu apressar o casamento.

Se vestiu de branco, subiu ao altar, fez festa, valsou: tudo sem brilho nos olhos. A cada momento, ela se virava para a porta, esperando que ele viesse resgatá-la daquele pesadelo. Que nada. Não deu sinal de vida. Durante os seis primeiros meses de casada, remoeu sozinha a mágoa de ter sido ignorada.

Ela decidiu ser o modelo da melhor esposa. Cuidava do marido, paparicava, a casa vivia um brinco! Sem contar todas as vezes em que ela se perfumou, se arrumou... mas continuava sentindo falta do fogo que tinha com o amante. Até tentou apimentar a relação, mas quando sugeriu ao marido uma ida ao motel para brincarem com mais liberdade, recebeu de volta um olhar estranho e um "não estou reconhecendo você, amor. Na nossa casa não está bom?".

Quando completou sete meses de casada, desistiu de ter uma boa vida sexual com o marido; aos oito, já não guardava mais mágoa do amante; lá pelo décimo mês já suspirava pelos cantos, com saudade dele; no dia em que completou um ano de casada e ganhou do marido um vaso de margaridas e uma garrafa de espumante, decidiu voltar a procurá-lo.

Sem nenhuma culpa na consciência, percebeu que realmente precisava dos dois para ser feliz. Não podia prescindir da tranquilidade e da segurança que o marido lhe dava - mas de maneira nenhuma abriria mão dos encontros com o amante. Era neles em que apagava o fogo que lhe consumia, era neles em que se sentia mulher e que se completava, pronta para voltar ao marido e corresponder ao que ele lhe pedia.

Compraram casa, vieram dois filhos, ele foi promovido no emprego, ela também. Viajaram, trocaram de carro, progrediram na vida. Enquanto isso, ela comprou dezenas de novas lingeries, descobriu acessórios e novas posições, danças e tipos diferentes de depilação - tudo para esquentar o clima com o amante. Era como se fosse outra mulher, como se aquela vida nos quartos de motel, com minutos contados, fosse a vida para a qual ela nasceu. A vida em família era o preço que ela pagava para poder ter esses momentos de loucura absoluta.

Aos cinquenta anos, vinte e cinco de casada, ela olhava para trás e não acreditava que ainda tinha um amante. E que, depois de tanto tempo, ainda ficava de pernas bambas e com a carne trêmula quando pensava nele. Claro, o fogo se amenizou, e aqueles momentos agora eram como joias no meio da semana, sem grandes loucuras, sem lingeries e acessórios, mas com muita excitação.

No meio desses pensamentos deliciosos, chega o marido. "Meu bem, você não vai acreditar. Acho que você não se lembra do Gustavo, lembra? Um rapaz bem alto que estudou com a gente?"

Ela gelou. Como é que o marido se lembrava dele? Será que tinha descoberto tudo? As emoções e pensamentos iam e vinham numa sucessão enlouquecedora, numa vertigem maluca, como se ela estivesse despencando ladeira abaixo. Já se via divorciada, sem a segurança do marido, sem seu porto seguro. Mal conseguiu assentir, dizendo a ele que sim, se lembrava.

"Pois é, ele morreu!"

O chão se abriu. Como? Seu amante, aquele homem que a deixava voando, aquele para quem ela inventava as novidades mais excitantes, aquele que lhe apresentou as delícias que lhe permitiram enfrentar sua realidade, morto? Morto? Como assim?

"Todo mundo está comentando... parece que ele tinha uma amante, uma moça muito mais nova, e morreu no motel, no meio de uma transa muito louca!"

Ela não sabia se ria ou se chorava. Como é que é? Ele tinha uma amante? Morreu no motel, no meio de uma transa muito louca? E ela? O que ela era?

O pior era tentar manter as aparências na frente do marido. Por sorte, na hora em que deu a notícia a ela, ele só tinha passado em casa para almoçar. Ela pôde chorar à vontade - de tristeza, de raiva, de saudade, de desespero - sozinha, trancada no banheiro.

No enterro, o marido atribuiu sua tristeza excessiva à menopausa. Claro, só podia ser "essas coisas de mulher". Que outra resposta ele encontraria para tanta emoção por causa de um colega de escola?

Mas o duro mesmo foi segurar o luto depois. Como fazer? Tentou entrar para um curso de artesanato, para um grupo de leitura, para uma turma de voluntariado. Nada, absolutamente nada preenchia aquele vazio deixado pelo amante. Com quem exercitar aquela excitação que a corroía por dentro a cada vez que pensava nele? Ela se sentia viúva, mas não podia viver sua viuvez.

Um dia, sua ficha caiu. Viúva? Claro que não. Seu marido estava ali, bem na sua frente, esperando para descobrir um jardim de delícias que só ela poderia apresentar.

Com empolgação, voltou na loja de lingerie, na depiladora e no sex shop. Munida de tantas armas, esperou que ele chegasse do trabalho. Ali mesmo, ainda parado na porta de casa, ele deu de cara com sua esposa - a exemplar, a mãe do ano, aquela que todos os colegas invejavam - toda fantasiada, perfumada, no meio de velas e com alguns acessórios bem estranhos.

Duas horas depois, ainda assustado, mas com um sorriso no rosto, ele se deu conta: durante vinte e cinco anos, tinha tido ao seu lado um vulcão adormecido.

Virando de lado, se aconchegando a ela para dormir, conseguiu ter um último pensamento antes de adormecer satisfeito. "Quanto tempo perdido com outras mulheres por aí. Devia mesmo era ter dado mais crédito e atenção para ela."

Comentários

  1. Espetacular!

    Que imaginação e que narrativa, hein!

    Parabéns e continue escrevendo estas maravilhas!

    Abraços.

    ResponderExcluir

Postar um comentário