"Esse cara sou eu"

Ela era romântica.

Desde criancinha, esperou o príncipe encantado. Apreciava flores, filmes antigos, pequenos gestos de cavalheirimo. Lia avidamente romances água com açúcar. Sabia de cor seu horóscopo diário - e também a previsão diária de sua paixão da vez. Acreditava em incensos, feromônios e afrodisíacos. E ouvia incessantemente músicas românticas. Todos os sertanejos, José Augusto e Fábio Júnior estavam na sua lista de trilhas sonoras para um encontro perfeito.

Mas ninguém ocupava sua imaginação como Roberto Carlos. Eram dele 10 das 15 músicas que ela escolhera para seu casamento (mesmo sem o noivo, cada detalhe já estava definido); o toque do seu celular; a música de fundo dos longos banhos à luz de velas (mas no chuveiro, pois não tinha banheira em casa); era o Rei que embalava seus sonhos com cada um de seus príncipes e, com ele, chorava o final de seus casos mal resolvidos.

Cada um dos homens que passou por sua vida foi implacavelmente comparado com uma música de Roberto. Houve um pretendente que foi enrolado até conseguir beijá-la num final de madrugada em que garoava. Mas o beijo foi tão fraco que ela não passou dessa noite, arrependida de tanto tempo gasto.

Houve um de quem ela realmente gostou. Inteligente, esforçado, trabalhador... era o tipo de rapaz que toda mãe quer para genro. Mas ele era um homem muito prático - apesar de carinhoso, não havia demonstrações de amor ou um grande arroubo de paixão. Uma outra mulher acharia compensação, mas não ela, que queria flores, cartas de amor e beijos na mão. Foi duro, mas ela terminou.

Assim, tantos outros homens passaram por sua vida. Nenhum se encaixava no que ela procurava; e eram tantos detalhes que vez ou outra até mesmo ela se confundia. Ela queria um homem que a defendesse de tudo, mas fosse delicado o bastante pra chorar na sua frente. Um que sentisse ciúmes, mas a incentivasse a ser a amante incrível cheia de proezas na cama. Trabalhador, esportista, bom pai, bom ser humano, compassivo, delicado, obcecado por ela, incapaz de se interessar por outra mulher, cavalheiro, gentil, boa transa... a lista não acabava nunca.

Sempre havia um porém. Afinal de contas, a cada ano o Roberto jogava o padrão mais para cima! E a vontade de achar "o cara" era sempre maior que suas paixões. A cada rompimento, a decepção era maior - até que ela adotou o famoso discurso "nenhum-homem-presta-são-todos-canalhas". Nenhum estava à sua altura. Nenhum a proveria de suas necessidades, tão básicas, tão simples... era melhor ficar sozinha do que mal acompanhada.

Cercou-se de seus romances, de seus filmes, das velas, perfumes e músicas do Roberto. Com eles, construiu uma muralha intransponível, que a protegia de viver um relacionamento de verdade: aquele com falhas, defeitos, pequenas cicatrizes, mau humor e ranhetices. Aquele que te faz feliz, sim, mas que exige que você se comprometa, que invista e, principalmente, entenda que o príncipe encantado é você quem faz.

Quando Roberto morreu, aos 105 anos, pouco antes da transmissão do seu enésimo especial de Natal na Globo, ela estava com 65 anos. Tinha gatos, livros, dvd's e uma vontade enorme de namorar. Suspirava todos os dias quando abria a janela de manhã, melancólica. Olhava o horizonte à procura do homem num cavalo branco, incapaz de enxergar, bem ali, ao seu lado, o vizinho viúvo que a encarava, sem coragem de se declarar.

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