"...tantos desencontros nesta vida"

Eles trabalhavam na mesma empresa.

Ele era um jovem querido, conhecido por todos, competente e dedicado. Ela fazia parte de uma equipe de profissionais especializadas no atendimento ao cliente.

Eles trabalhavam na mesma empresa. Ele na matriz e ela em uma filial a mais de 700 quilômetros de distância.

Ele era recém-formado. Ela estava cursando mestrado.

Eles trabalhavam na mesma empresa e, um dia, se conheceram numa festa de confraternização. Ambos jovens e bonitos, despertaram um no outro interesse e desejo instantâneos.

Os dois se cobiçaram e, naquela mesma noite, deram um jeito de se encontrarem. Ela deu uma desculpa para sua companheira de quarto para ficar sozinha com ele.

Foi uma noite intensa e inesquecível. Ele se encantou com o jeito simples de uma moça que, apesar de mais velha, era como uma menina - tímida, delicada e sem subterfúgios. Ela, por sua vez, se deixou levar por um desejo incontrolável e transou na primeira noite.

Tudo seria tranquilo, apenas mais um caso de "sexo corporativo", se não fosse um detalhe: os dois queriam mais. Era inconcebível para eles pararem nessa única vez. E mais uma coisa: ambos eram comprometidos. Ele tinha namorada e ela um noivo.

A coisa engrenou: ao longo de um ano, eles aproveitaram cada reunião da empresa para matarem a saudade. Os encontros eram excitantes, cheios de momentos de um delicioso suspense multiplicado pela tensão de serem pegos.

Um dia, a ficha dela caiu: estava se apaixonando por aquele menino. E, mesmo no meio daquela paixão toda, ela teve a clareza de enxergar que de maneira nenhuma aquele caso iria adiante. Somado à distância física, havia o fato que, além da namorada e dela própria, ele era bem "rodado": não negava fogo diante de quase todas as mulheres que davam em cima dele.

Fora isso, ainda havia o noivo. Ele percebeu que havia algo diferente nela, mas não conseguia definir o que era. Ela, por sua vez, tinha que se segurar quando fazia amor, para não gritar o nome do outro quando gozava.

Esse "menino" era um homem delicioso. Era lindo, divertido, sensual... mas ela sabia - e isso a consumia por dentro - que ele não estava no mesmo compasso que ela. Ele queria mais era curtir a vida, sair com os amigos, beber - e transar com o maior número de mulheres que ele pudesse. Ela era apenas mais um nome em uma lista imensa.

Ela estava completamente apaixonada, mas sabia que ele era apenas um menino. E ela precisava de um homem.

Tomou uma decisão: colocaria um ponto final nesse caso maluco e se dedicaria sem limites a seu noivo e futuro marido... mas, antes, quis um último encontro. Uma despedida à altura de sua doideira.

Planejou tudo cuidadosamente. Ambos tinham direito a uma semana de folga e ela o convidou para passarem esses dias juntos. Como em algumas ocasiões ela precisava comparecer a encontros da empresa fora da cidade, encontrou a desculpa ideal para escapar uns dias sem mais explicações.

Foram para uma cidadezinha conhecida no estado pelas hospedagens e passeios românticos. É claro que na maior parte do tempo ficaram em seu chalé, curtindo o tempo juntos, mas depois de tanto se desfrutarem, decidiram realizar alguns passeios.

Que erro.

Ela aproveitou que ele se distraiu em uma loja para entrar em uma lanchonete e pedir um suco. E deu de cara com o melhor amigo do noivo. Pega totalmente de surpresa, ela teve um branco e quase não conseguiu conversar com o rapaz. Ela só pensava no que diria se o seu menino entrasse no lugar. Como explicaria estar ali, na cidade mais romântica do estado, acompanhada de um homem estranho?

No meio de seu desespero, conseguiu inventar uma desculpa: que a reunião de trabalho tinha sido transferida para uma cidade próxima dali e estava se deslocando quando parou para tomar um suco. "Quanta coincidência... que mundo pequeno!". Transbordou de sorrisos amarelos durante a conversa.

Às pressas, escapou da lanchonete, resgatou o amante e fugiu. Em meio à agonia de se ver flagrada, deduziu que era apenas uma questão de voltar ao chalezinho para terminar a sua semana de despedida. Outro erro!

Mal tinha passado o susto, quando estava conseguindo entrar de novo no clima de romance, o celular dela tocou. O nome e a foto do noivo piscavam na tela do aparelho. O amigo tinha contado sobre o encontro.

"Amor, fiquei tão feliz. Você não sabe... estou a caminho da mesma cidade onde você vai ficar hospedada. Será que rola de a gente se encontrar? Janta comigo à noite?"

Não tinha desculpa que fosse fazê-lo desistir. O jeito foi arrumar tudo correndo e voar para a tal cidade. No caminho, pelo celular, localizaram uma pousada e reservaram um quarto. Quando ele mencionou que valeria a pena reservarem dois quartos, ela descartou a ideia, alegando que não deixaria o noivo passar a madrugada lá. Depois que ele fosse embora, os dois se hospedariam em outro lugar.

Quando o noivo chegou, ela já estava instalada e de banho tomado. Combinou com o outro que ele esperaria no bar em frente e quando o noivo chegasse ela iria acender e apagar as luzes do banheiro três vezes. Como a janela era virada para o bar, não teria erro.

Ao se sentar no bar para esperar, ele pensou que talvez essa mulher estivesse exigindo paciência e tempo demais dele, e que talvez fosse mesmo melhor que eles não se vissem mais. Ele tinha um tesão enorme por ela, mas decididamente ela não valia todo esse investimento. "Tanta mulher no mundo... tanta balada pra ir... e eu aqui sentado tomando cerveja quente e comendo bolinho de carne? Não dá."

Claro que ele era educado e cavalheiro demais para sair de lá sem se despedir. E ele tinha uma política de nunca, em hipótese nenhuma, fechar a porta de um caso ao encerrá-lo. Seu lema era "dar um tempo, nunca terminar". Aguentaria algumas horas até o noivo ir embora e terminaria aquela semana com chave de ouro.

Bem acomodado em sua cadeira, localizou a janela do banheiro... e, bem nessa hora, a energia elétrica acabou. A única iluminação vinha dos faróis dos carros que passavam pela rua. "E agora? Como vou saber que o cara chegou?". O jeito era prestar atenção nos carros que entravam na pousada. "Afinal de contas, nesse fim de mundo, quantos carros podem entrar lá?".

Em meia hora, sete carros entraram no estacionamento da pousada. SETE. "É muita falta de sorte! Não acredito nisso!". Ele continuava fiel à sua proposta de nunca abandonar uma mulher, mas aquilo estava se aproximando de seu limite...

Duas horas depois, a energia voltou. "Finalmente! Pelo menos vou poder assistir ao futebol aqui no boteco!". Vã ilusão. Assim que conseguiu encerrar o caixa e limpar os balcões, o dono do bar gentilmente pediu que ele se retirasse. "O senhor se incomoda de ir? Sabe como é, cidade pequena, já são 10 da noite e ninguém mais vai chegar". Mais essa agora!

Mandou a cautela às favas e decidiu ir pedir um quarto na pousada. "Que se dane se ele for embora logo... eu não vou passar a noite na praça com frio!". Mas, para seu infortúnio, o único quarto disponível era o vizinho daquele em que ela estava com o noivo. Entrando no quarto, recebeu uma mensagem dela: "JANTAMOS, MAS ELE QUER FICAR MAIS UM POUCO. AGUENTA FIRME! BJS"

"Aguentar firme" não o ajudou a passar pelo inferno de ouvir, através das paredes finas, ela transando com o namorado. Ele ouvia o rangido da cama, os barulhinhos íntimos dos dois e os gemidos dela. Sabia que ela não fazia de propósito, pois nem sabia que ele estava logo ao lado, mas não podia evitar uma vontade louca de entrar naquele quarto, arrancar o cara de lá e ele mesmo tomar conta dela.

Ao longo daquela madrugada, ele foi se dando conta da situação ridícula em que estava. E, o pior, de que estava morrendo de ciúme dela. Seria cômico, se não fosse trágico, pois ele sabia que deveria ter saído dessa relação quando viu que ela estava se apaixonando. Mas seu desejo de viver uma aventura com uma mulher mais velha era tão maior que ele não se controlou e fingiu não ter visto a paixão nos olhos dela.

Para ele, tudo continuaria como sempre. Ela aceitaria aqueles momentos e se contentaria com o sexo casual e esporádico. Manteriam o relacionamento de longe, se encontrariam e transariam quando desse. Só ali, ouvindo-a gemer e se entregar daquele seu jeito franco ao noivo, percebeu que ela poderia ser a mulher da sua vida. Aquela por quem ele "rasgaria o caderninho de telefones". A mãe dos seus filhos. A última transa de sua vida.

Ficou ali, curtindo aquele ciúme, remoendo sua falta de sensibilidade, lamentando por não ter percebido antes que aquele caso poderia ter tido outro rumo. E não podia ir embora. Sua mala estava no carro dela. Apesar de ter jurado que não ia passar a noite na praça, em determinado momento se encheu e foi para a rua. Melhor o frio do que a sensação de derrota que só aumentava a cada gemido.

Não imaginava que ela, por sua vez, tinha se comovido com a delicadeza do noivo em se deslocar até onde ela estava só para passar uma noite com ela. Não tinha ideia de que ela se emocionou com um jantar à luz de velas que ele improvisou para resolver a falta de energia elétrica. Nem nos sonhos mais remotos ele veria como o olhar dela para o noivo mudou.

Naquela noite, ela se entregou como há tempos não fazia. E se lembrou do porquê tinha se apaixonado pelo noivo: seu jeito calmo e delicado, que tanto contrastava com a impulsividade do outro, a encantava.

No meio da madrugada, decidiu que a despedida terminaria ali.

Não pensou que ele também queria, mais que tudo, ir embora. Mas para zerar tudo, recomeçar e conquistá-la de verdade, como ela merecia.

O noivo foi embora bem antes de o dia nascer e eles puderam se encontrar para o café da manhã. Ambos acanhados, quase como se não se conhecessem, suportaram o desconforto heroicamente, mal trocando duas palavras durante a refeição.

Ela pensou em algumas desculpas para ir embora, mas resolveu ser honesta e contou a ele o porquê tudo terminaria ali, naquele momento. Abraçou-o e beijou-o na boca, e até chorou quando o deixou no aeroporto, mas quando engatou a primeira para sair, tirou do peito um peso imenso e teve a certeza de que agia da maneira correta.

Ele, por sua vez, embarcou com uma melancolia sem tamanho, um travo amargo na boca e a certeza de que tinha deixado uma mulher sem igual escapar pelo vão dos dedos. Quando o avião decolou, ele soube que nenhuma das mulheres da sua lista deixaria uma marca tão profunda nele.

Pela primeira vez, chorou por alguém.

Pela primeira vez, tinha se apaixonado.

Pela primeira vez, entendeu na carne o significado da palavra "desencontro".

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