Baile de olhares

Eles não se conheciam, mas se encontravam todos os dias.
Ele, indo praticar seu esporte diário; ela, a caminho da aula de artes.
Um não sabia o que o outro fazia. Um não sabia o nome do outro.

Eles se cruzavam todos os dias na metade de uma escada.
Na primeira vez, foi ele quem reparou nela. Cabelos cacheados, pele branquinha, olhos cor de mel, um traço de sorriso no rosto, ela descia as escadas aos pulinhos, imersa numa música que tocava no celular.
Ele achou graça naquilo, e dois minutos depois já não se lembrava mais. Mas a viu no dia seguinte, novamente com aquele ensaio de sorriso no rosto. E no outro dia, com um enfeite no cabelo.
No quarto dia, se pegou pensando antes de chegar na escada se a veria novamente.

E, a partir daí, passou a esperar pelo momento em que a encontrava.
De tanto a olhar, de tanto encará-la, ela reparou nele.
O rapaz olhava-a tão intensamente que não deu para não percebê-lo. Tímida, desviou os olhos, mas depois virou para trás. E deu de cara com ele.

Um passou a ansiar pelo momento em que via o outro.
Ele sabia exatamente o horário em que ela passava e, se chegava antes na escada, ficava esperando-a.
Ela notou que nos dias de sol ele usava roupas de cores claras e tinha um semblante mais animado.
Ele percebeu que ela gostava de crianças, de tanto vê-la sorrir quando passava por bebês em seu caminho.
Ele gostava de rock - tinha camisetas de bandas clássicas. Ela pintava - ele viu os pincéis aparecendo em sua bolsa um dia.

Assim, a cada dia, um descobria um pedacinho do outro. Os olhares se cruzavam, se reconheciam, se iluminavam e iam embora. Por alguns segundos, o dia tinha outro sabor - para na sequência voltar a ficar cinza e sem graça.

Um dia, ele não apareceu. Ela se entristeceu. Voltou atrás, subiu e desceu as escadas, na esperança de que ele estivesse atrasado. Mas ele não apareceu. Ficou no alto da escada, com um aperto no peito, amaldiçoando sua timidez e lamentando o porquê não tinha falado com ele em todos aqueles dias. Arrependida e já atrasada para sua aula, resolveu descer. "Quem sabe ele aparece amanhã? Juro que se eu cruzar com ele, paro e puxo conversa".

Sentiu uma mão em seu ombro. Virou-se e encontrou o rosto tão conhecido, o sorriso mais caloroso, quase tímido, o olhar meigo... e uma flor na mão. "Quer cabular sua aula e ir tomar um café comigo?"

Sorridentes, encantados, meigos, hipnotizados um pelo outro, deram-se as mãos e subiram as escadas. No caminho, cruzaram com uma moça com um semblante triste e desolado. Com um olhar quase invejoso, acompanhou os dois até perdê-los de vista. Seguiu seu caminho, lamentando não encontrar um namorado tão carinhoso e apaixonado quanto o da mocinha com a flor na mão.

Comentários

  1. Ah!....O amor.

    Quem seria essa moça com um semblante triste?

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  2. Essa moça somos todos nós, que vemos situações e as interpretamos como queremos. Ela enxergou no casal dois namorados e não duas pessoas que se falavam pela primeira vez... e quantas vezes deixamos as oportunidades passarem por falta de coragem? Eu, inclusive! :)

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  3. Sempre muito bem escrito ;)

    Ele me fez lembrar que não devo julgar ninguém, apenas pelo que vejo, já que não posso conhecer o caminho percorrido, as cicatrizes que existem e os segredos mais profundos de cada indivíduo.

    Beijos ♥

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    1. Tami, saudades dos seus comentários!
      Você tem razão. Os olhos nos enganam, quase sempre - pro mal e pro bem. <3
      Beijão!

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