::: uma canção de amor e liberdade :::

Era um pássaro raro, desses que dificilmente se encontra, mesmo na natureza selvagem. Já chamava a atenção ao primeiro olhar, por sua bela plumagem colorida. Mas ninguém mais conseguia pensar em beleza quando ele começava a cantar.

Em um ambiente de mata hostil, no qual os bichos lutavam por sua sobrevivência, tudo se acalmava ao ouvir sua voz melodiosa. Todos paravam para escutá-lo; até as árvores deixavam de sussurrar ao sabor do vento para ouvir seu cantar.

Ele vivia para sua música e dela se alimentava. Não precisava de mais nada para se bastar. Até o dia em que se apaixonou.

Por aquela menina, se dispôs a abandonar sua liberdade de pássaro e a viver em uma gaiola.
Deixou de cantar na mata e apenas ela ouvia seus trinados.
Nada mais importava em sua vida: tudo o que ele queria era fazê-la feliz, ver seu sorriso e conquistá-la todos os dias. Vivia para ela, por ela, e de seu amor se alimentava.

Não precisava de mais nada para se bastar: só dela.

Um dia, porém, sua amada se cansou de ouvi-lo. Já não sorria quando o escutava cantar. Seus olhos já não brilhavam mais ao vê-lo em sua gaiola dourada... e ele já não via mais a admiração estampada nela quando soltava a voz.

Passou a se sentir infeliz, e a cada dia mais desesperado. Não sabia mais o que fazer para mantê-la junto de si. Tentou novas melodias, cantou seu amor com todas as forças, mas ela já não tinha mais olhos e ouvidos para ele... já não o queria por perto. Na verdade, quanto mais ele se esforçava, mais ela se irritava e se afastava dele.

Por fim, ela decidiu abrir a porta da gaiola e soltá-lo de novo na mata. Já não o queria mais. Como uma criança mimada, se cansara de seu brinquedo caro.

...

Durante muito tempo, ele não se animou a cantar. Não via sentido em compartilhar com outros algo que, para ele, era tão especial, algo que compartilhava com seu amor. Sentia um oco no peito, um buraco tão grande que o sufocava, que o preenchia de vazio e silêncio.

Outras meninas tentaram se aproximar do bichinho ferido. Ele, apesar de toda carência, não conseguia se abrir, ou, quando se abria, não conseguia se livrar da vontade de comparar todas com sua amada. Ou da sensação de que sua história com ela não havia terminado de vez - e que, por sua culpa, por sua falta de ação, é que o relacionamento não havia sido retomado.

Só ele não percebia que a menina já tinha caminhado com sua vida, e ele não passava de uma lembrança vaga e imprecisa de sua juventude.

Um dia, ele conheceu uma moça. Diferente de todas as outras, ela se aproximou aos poucos. Percebeu que ali, naquele animal ferido, batia um coração quebrado, mas não insensível. Só ele não tinha realizado o tamanho da ânsia de ser amado que carregava consigo.

Porque se escondia atrás da dor. Porque camuflava sua gana de viver atrás de um amor que, no fundo, ele sabia não representar mais nada. Porque preferia posar com sofrimento a buscar a felicidade. Por causa de tudo isso, ele não percebia que, no fundo, queria mesmo era ser feliz.

A moça chegou pertinho. Tomou-o nas mãos, sussurrou novas canções em seus ouvidos, falou de si, de seus sonhos, de seus desejos. De repente, ele percebeu que a olhava com outros olhos e que já não via a hora em que ela chegaria para passar algum tempo com ele.

Porque aquelas horas eram as mais leves, as mais brilhantes, as mais delicadas, as mais bonitas de seus dias. Porque, subitamente, a vontade de cantar voltou a pulsar em seu peito. Porque a risada dela - límpida, franca, aberta - se transformou em música para seus ouvidos.

Porque, de repente, ele se viu pelos olhos dela. Percebeu que não era um pássaro ferido, mas um homem, e que a chave da felicidade estava em suas mãos - ao seu alcance - ali, perto, próxima, materializada em amiga querida.

Amiga, não: uma mulher.
A que soube se aproximar. A que esperou.
Aquela que o queria livre - sem gaiolas, sem amarras.
A mulher que não queria escondê-lo do mundo, mas compartilhar suas descobertas e alegrias com ele.

Através dela, pôde se ver.
Por ela, entendeu que era mais forte e corajoso do que se supunha.
Com ela, descobriu que o amor não era agonia, não era vazio, não era prisão. Muito menos solidão.

Para ela, passou a cantar a melodia mais linda e delicada de sua vida: a do amor cálido, doce, compartilhado e correspondido.

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