Amores platônicos não atravessam na faixa

Eles se viram numa faixa de pedestres, um de cada lado da rua.

Enquanto ele apertava o botão, impaciente, chamando o vermelho, ela o avaliou.

Gostou do que viu. Sorriu para si mesma.

Pisou na faixa tentando imprimir confiança, beleza e charme a cada passo seu; quis, ansiosamente, disfarçar sua insegurança e ocultar que olhava tanto para ele.

Do outro lado da rua, irritado, preocupado, ele nem se deu conta do interesse da moça.

Se cruzaram no meio da faixa. Seus braços se tocaram tão sutilmente que, depois, ela não teve certeza se realmente aconteceu.

Ele continuou seu caminho; ela se virou duas vezes até alcançar a calçada oposta.

Voltou ao semáforo infinitas vezes, no mesmo horário, querendo vê-lo. Na maioria dos dias, atravessou sozinha. Em alguns, se cruzaram e o roteiro se repetiu, sem que ele se desse conta de que ela estava se apaixonando.

Platonicamente. Como uma criança, que se encanta por um brinquedo que não pode ter. Como uma adolescente, por aquele garoto bonito da boy band.

Mas estava. Apaixonada por alguém de quem não sabia nada.

Platonicamente.

*   *   *

Em um final de semana, em outro ponto da cidade, em outra faixa de pedestres, avistou-o. Não esperava por esse encontro, e seu coração disparou, ansioso.

Quando o amarelo apareceu, ele trocou um olhar com ela. Sorriu. Parecia-lhe, a distância, que finalmente aqueles meses de espera chegariam a um bom termo.

O semáforo fechou. Quando o homenzinho verde acendeu, ela carregou toda sua esperança para o outro lado da rua.

Só no momento em que chegou perto do moço se deu conta de que o sorriso não a olhava nos olhos. Ele mantinha os seus em algum ponto atrás dela.

Seu coração escorreu pelo vão dos dedos como água quando viu uma outra garota acenando para ele.

Tudo o que ela não era, sorridente, confiante, bonita, com uma cara moderna e um brilho amoroso nos olhos, ela o encontrou na beira da calçada. Deram-se as mãos e seguiram juntos, completamente alheios e ignorantes da dor que lhe queimava as entranhas.

Ficou ali, consumida, com ciúme, com despeito, com tristeza, cheia de lágrimas, até o motorista impaciente buzinar e gritar que ela fosse chorar na calçada. "Maluca!"

Nunca mais voltou àquele cruzamento aonde sabe que vai encontrar o moço. Hoje, ela atravessa as ruas de cabeça baixa. Evita cruzar os olhos com qualquer um; arrasta atrás de si sua mágoa e carrega nas pupilas a lembrança do olhar que ele dedicou à outra.

Maldito Platão.

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