:..Em primeira pessoa..:

Abri meu baú de dores. Revirei minhas incertezas, tristezas e inseguranças. Vi passar diante dos meus olhos aquela garotinha das tranças compridas, a adolescente ansiosa, a jovem angustiada e a mulher que até ontem eu fui.

Contei ali potes de lágrimas de amores não correspondidos, caixas com expectativas frustradas, fardos com sonhos não realizados, todos amarrados bem apertadinhos para não escaparem.
Não me doeu mexer ali; talvez, em algum momento, tenha me sentido melancólica, mas não me entristeci. Porque finalmente percebi que tudo isso não é símbolo de derrota: é parte de mim e me ajudou a construir quem sou. Pro mal e pro bem.

Deixei o baú por alguns instantes e fui buscar a caixa onde guardei suas lembranças. Ali, coloquei com cuidado seu sorriso lindo; embrulhado em papel de seda, do mais delicado, seu olhar doce de menino desprotegido, aquele de lado que você (ainda) me dá quando quer algo de mim.

Guardei as lembranças de nossas conversas, as nossas risadas e tudo o que escrevi pensando em você. Botei também meu imenso afeto, junto com o som de sua voz cristalina, que tanto me cativou, no potinho de prata mais bonito que encontrei, e por fim fechei a caixa, com tudo o que você representa para mim.

Porque me cansei de tentar e finalmente percebi que posso e mereço mais, decidi guardar você ali, dentro daquele baú de dores. No meu coração, guardo só nossa amizade. E basta. Tranquei tudo, desejei o melhor a você, como vou fazer sempre. Sempre, sempre.

Respirei fundo.

Em um envelope, depositei tudo o que tenho pedido ao universo: carinho, um ombro disponível, a mão que se entrelaça na minha, bom humor pra enfrentar as dificuldades, um sorriso que me olha no fundo dos olhos, descomplicação, coragem de estar comigo. E, principalmente, não-sofrimento. Escrevi tudo com letra caprichada e guardei na gaveta de esperanças.

Nela, coloquei meu olhar em flor, o perfume cálido de minha risada, e toda a delicadeza do meu amor. Com muito cuidado, porque ele está frágil e pode se esgarçar como um tecido caro, tentei ajeitar tudo ali.

Foi então que entrevi, no meio das minhas esperanças, escondido no fundo da gaveta, o esboço de um rosto que vem se tornando familiar e querido para mim.

Tenho plena consciência de que tirá-lo de lá não será fácil, para nenhum de nós. Ainda estou muito dolorida e tenho uma intuição - quando seus olhos escuros, de cílios compridos, escapam dos meus - de que ele também carrega muitas tristezas e mágoas em sua inseparável mochila, apesar do jeito despreocupado e do sorriso quase permanente que traz consigo. Tenho a impressão de que ele se esconde atrás de um muro invisível, da mesma maneira que eu, e que tudo o que diz e faz, todas as piadas e brincadeiras, são maneiras de camuflar essa dor.

"Não importa", pensei. "Porque vou chegar até ele, ou ele até mim. Ou nos encontraremos em algum ponto, no meio do caminho entre nós." Dessa vez, não vou ceder à ansiedade. Dessa vez, não vou ter pressa.

Abri a janela, deixei o sol entrar e, como há muito tempo não fazia, sorri do fundo da alma. Sorri com o fígado, com a pele e com o coração. Peguei meu caderno de cotidiano, sentei na sacada e fui me (re)apresentar para a vida.

Comentários

  1. É algo tão leve, tão singelo, que não consigo me imaginar na situação! Quando eu crescer, quero ser igual!
    Lindo!

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  2. Seja bem vinda a vida! Que o sol brilhe todos os dias! Beijos!

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  3. Ta, parabéns!!!! Parabéns pelas sinceras, doces, meigas e tão bem escritas palavras que nos levam até a até enxergar os personagens...quanta eloquência, quanta doçura....olha cada dia mais fã de vc amiga!!!! bjs Carla

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