Em três atos - I

Era uma moça com dons de artesã.

Através de suas mãos, as dores e impressões cotidianas se transformavam. Pintava os sons do dia e a quietude da noite em quadros sensíveis; tecia as cores de seus sentimentos em mantas que aqueciam a alma; cozinhava delícias que adoçavam e apimentavam a rotina. Chegava até a se arriscar em textos e músicas (que não mostrava para ninguém).

A moça se sentia solitária, apesar da companhia de muitos amigos que a procuravam, em busca de um consolo para suas angústias. Para cada um, havia uma solução. A desconsolada com o amor levou um pote de finos biscoitos açucarados, uma manta de seda fina e o calor de seu abraço. O rapaz decepcionado com a hipocrisia humana ganhou a pintura de um lindo dia de sol e palavras de otimismo. Outro moço, que não acreditava em coisas do espírito, levou uma almofada perfumada para embalar seus sonhos, conversas profundas sobre o imaterial e o sorriso aberto da moça.

Houve mimos para todos: a vovozinha doente, o insatisfeito com o trabalho, o ansioso, a depressiva... sua casa estava sempre cheia de gente, e para cada um havia tempo e delicadezas.

Ainda assim, ela se sentia sozinha e vazia. Não havia alguém especial com quem compartilhar seus dons e magias. Não havia alguém que a olhasse no fundo dos olhos e em quem se ela enxergasse, plena e bela. Faltava um ombro para apoiar o cansaço, mãos que segurassem as suas, uma voz que fizesse seu coração cantar. Havia vazio onde deveria haver esperança.

Lendo um conto de Marina Colasanti, realizou que poderia usar seus dons para criar para si um companheiro. Com muito cuidado, desenhou um esboço em papel, pensando em tudo o que desejava desse moço.

Da cerejeira florida que havia em seu jardim, retirou o galho mais perfeito e de madeira mais perfumada. Toda noite, à luz da lua, esculpia seu amado, demorando-se nos detalhes e aperfeiçoando-o para corresponder exatamente àquele esboço inicial.

Levou um mês. Penteou-o, vestiu-o e calçou-o. Cuidadosamente, carregou-o nos braços até uma poltrona de sua oficina, sentou-o de modo a encará-la enquanto trabalhava. Ali, ele permaneceu, de olhos brilhantes, sorridente, mas imóvel, estático, sem responder a seus anseios nem preencher o vazio dentro dela.

Ainda assim, manteve seu boneco ali. Conversava com ele, nas longas horas solitárias de trabalho. Foi se acostumando à sua presença e imaginado como ele seria se fosse animado. Em sua mente, ele era meio tímido, doce e com ar de menino desamparado. Tinha uma voz suave e falaria baixinho no seu ouvido.

Criou, em sua cabeça, o homem de seus sonhos.

Um dia, quando acordou, se assustou com alguém sentado ao pé de sua cama. Encontrou seu amado, ali, em carne e osso, do jeitinho que imaginava, com o sorriso aberto e o olhar de soslaio, tímido, admirando-a enquanto dormia.

Não questionou. Acreditou que a força de seu pensamento incutiu a vida naquele pedaço inanimado de madeira. Aceitou-o em sua vida.

Criaram uma rotina de casal. Ele preenchia os dias dela com risadas, companheirismo e doçura. Os dois foram construindo, à medida em que os dias passavam, uma cumplicidade que ela nunca havia experimentado com ninguém. Com ele, se sentia à vontade. Como se pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, com a certeza total e absoluta de seu amor.

Laços invisíveis se estabeleceram entre eles. Os amigos se sentiram meio abandonados, no início, mas aos poucos também incorporaram a presença dele em sua oficina e, logo, ele também já não era mais um estranho para todos que a procuravam em busca de consolo.

Uma noite, encontrou-o triste, dedilhando as cordas de um violão, no canto da sala. Entendeu que ele se sentia inativo, sem ter o que fazer, e que era egoísmo de sua parte querê-lo ali, junto de si, o tempo inteiro. Imaginou que o prendia, como a um marionete, com fios invisíveis, e que só cortando-os é que realmente seriam felizes.

Embora relutante no início, ele aceitou que seriam melhores com rotinas separadas. Construiu para si uma carreira bem-sucedida. Conheceu novas pessoas. Frequentou novos lugares. Cantou novas músicas. E, de repente, o ambiente mágico da oficina da moça artesã lhe pareceu pequeno demais, sufocante demais, distante demais.

Ele já não queria ficar perto dela. Queria cortar os fios que os ligavam e viver a nova vida que se descortinava à sua frente. Ela, por sua vez, não percebeu que ele se afastava. Seus olhos continuavam nublados pelo amor que nutria por ele.

Por isso, quando ele se aproximou dela disposto a cortar os laços que os uniam, ela perdeu o fôlego. Não imaginava, nunca, que isso pudesse acontecer. Mas sua alma generosa a impediu de lhe cobrar o amor que lhe dedicara. O tempo que investira esculpindo seu corpo. A vida que seu amor lhe infundira.

Ela simplesmente não se sentia no direito de lhe atirar tudo isso na cara. Engoliu tudo: a dor que lhe cortava em duas, seu amor, as lágrimas e, com as próprias mãos, tratou de cortar os fios que os ligavam. À medida em que usava a tesoura, ele foi se transformando ali, na sua frente. Deixou de ser aquele rapaz doce e delicado para virar um estranho. Alguém que se parecia muito com aquele por quem se apaixonara, mas já não era ele.

Nunca imaginou que sentiria tamanha tristeza. Principalmente quando soube, logo em seguida, que ele já estava se relacionando com uma nova moça. Alguém totalmente diferente dela própria.

"Como?", ela não se cansava de perguntar. Ele era perfeito para ela... era tudo o que ela sempre quis. Como ele pôde, então, preferir outra moça? E tão diferente? Gastou noites e mais noites em claro, rolando na cama e imaginando o que tinha feito de errado. Até que percebeu que a culpa não era sua. Ele é quem tinha continuado com a vida. E, se não a queria mais presente na dele, bom... azar. O dela.

Durante muito tempo, não teve vontade de atender ninguém. Não tinha forças para sair da cama ou para cuidar de si mesma. Que dirá cuidar de amigos, que continuavam a exigir seus cuidados, quase insensíveis à sua melancolia.

Aos poucos, foi retomando sua rotina. Voltou a ver graça nas tintas. Tornou a pegar nas linhas, a tecer e a bordar. Os sabores voltaram a povoar sua cozinha. E, também vagarosamente, foi retomando o cuidado com todos que a procuravam. Anotou em seu diário: Acho que é essa minha missão na vida - cuidar dos outros. Tenho que encontrar uma maneira de me preencher assim e me sentir feliz dessa maneira. Talvez eu não tenha sido feita pra ser parte de um casal.

Fechou as portas de seu coração, naturalmente tão carinhoso, tão ansioso por viver um grande amor e ser redamado. Mesmo os amigos próximos não conseguiam chegar lá naquele lugar escondido dentro dela. Ergueu um muro diante de si. E de lá, daquele lugar escondido, decidiu ver a vida passar, cercada de seus amigos, sua arte e sua mágica. Sozinha.

A decisão se manteve firme, até o dia em que uma companhia de teatro mambembe aportou no vilarejo em que morava.

** continua aqui **

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