Azul é a cor mais quente

Há muitos anos, ela fazia as unhas toda a semana.
Pintava de branco clarinho - nunca mudava a cor. Gostava do conforto que a constância do esmalte lhe dava.

Mantinha também o mesmo corte de cabelo, com a mesma tintura, desde que tinha se tornado cliente daquela cabeleireira, antes de os fios brancos aparecerem. Ver seu rosto inalterado, dia após dia, no espelho, dava-lhe segurança, uma certa imutabilidade num mundo impermanente.

Um certo dia, começou a namorar.

Todo final de semana, os programas se repetiam: cinema, jantar e motel. Às vezes, trocavam o cinema por teatro. De vez em quando, jantavam e assistiam filmes em casa. Mas ele fazia questão do motel - e ela o acompanhava.

Não que não gostasse de sexo: ela gostava, e muito. Mas, com ele, tudo ficou morno - praticamente frio - muito rápido. Era quase burocrático. Eles entravam no quarto do motel, ele ligava uma música, abaixava as luzes e a beijava. Tomavam uma bebida, se beijavam, trocavam carícias, tiravam a roupa e transavam. Ponto.

Não tinha risada, não tinha sussurro, não tinha olho no olho. E não tinha gemido, não tinha mão entrelaçada. Era um papai-e-mamãe bobinho e sem conversa. Só tinha um "Foi bom?" dele, já meio dormindo, logo depois de gozar.

Ela cumpria religiosamente com a obrigação. Para ela era uma obrigação - não tinha nada a ver com prazer, com realização, com compartilhar momentos. Era tão somente uma questão de manter o relacionamento vivo.

Toda semana, ela ia à manicure e pintava as unhas de branco. A cada 20 dias, mais ou menos, pintava e cortava o cabelo daquele jeitinho.

***

Um dia, cumprir a obrigação não bastou.

Ela foi demitida do emprego; o chefe alegou que seu trabalho era previsível demais, básico e entediante demais para que ela mantivesse o cargo. Havia, dentro da própria empresa, gente mais jovem e mais disposta que ela a arriscar.

O noivo não demonstrou a mínima solidariedade. Num dia em que ela só queria colo e compreensão, ele não abriu mão do sexo, e ainda reclamou que ela estava "pouco empolgada".

Naquele dia, ela se pôs a questionar se tudo o que estava fazendo era justificável. Se fazia algum sentido se manter invisível e abaixar a cabeça para tudo e para todos. E, principalmente, se sua vida não estava passando em vão.

A conclusão era óbvia.

Na semana seguinte, marcou hora no salão. Saindo de lá, foi se encontrar com o noivo para jantar. Ele quase não a reconheceu: havia cortado 10 cm do cabelo e mudado radicalmente a cor. Sentou-se à mesa do restaurante e foi direta: não poderia mais levar aquele relacionamento adiante. A falta de sexo decente, de conversa e, principalmente, de cumplicidade a impediam de tocar o noivado. "Simplesmente, não dá", disse ela, levantando da mesa às pressas, como se tivesse gana de agarrar a vida.

Como se aqueles anos perdidos fossem lhe escapar se ela se demorasse mais um pouco ali...

Abobado, o noivo só pôde conter a vontade de abrir a boca enquanto ela se ia; meio arrependida com tanta rapidez, ela vacilou por alguns segundos na soleira da porta. Virou-se e, de longe, lhe acenou com um sorriso encabulado.

Só então ele reparou: suas unhas estavam pintadas de azul petróleo, tão visíveis a distância quanto um outdoor gigantesco com a palavra "adeus".

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