Ele me amanheceu. Ensolarei.
E eu, que sempre fui romântica, eu, que sempre me emocionei com histórias simples e cotidianas de encantamento, acreditei que desta vez era comigo. Acreditei em mim. Nele. Em nós dois.
Enfeitei minhas janelas; botei meus melhores quadros nas paredes; busquei músicas e poesias e perfumes. Queria encantar esse moço como ele me encantava.
Quis ser diferente. Quis ser melhor. Quis ser divertida, espirituosa, bonita. Mas só pude ser eu mesma, com meus olhos brilhantes, meu abraço franco e meus escritos.
Acreditando que ele leria meus olhos, meus abraços e meus escritos, e também se encantaria, abri a porta e convidei, "Vem, querido. Me dá tua mão, mas pisa devagarinho, porque este chão é novo. O tapete também. Coloquei eles aqui só pra te receber".
Não foi o bastante, acho.
Eu disse a ele, tenho certeza. Eu disse. Cada poro meu gritou "Cuidado comigo, amor. Cuida de mim, que eu pareço forte, mas sou de cristal". Contei as tempestades, deixei que ele vislumbrasse minhas inseguranças. Minhas mãos tremeram em tantas vezes que estivemos juntos.
Eu pedi, eu pedi tanto, mas ele me entardeceu. Nublei.
A tarde veio com uma palavra: amizade. Minha casa já não estava mais tão bonita para ele, minhas músicas já não eram tão felizes. As flores murcharam nos vasos, os doces perderam o gosto.
Eu o via, o assistia, como numa novela barata, como naquela poesia do Drummond, "João que amava Maria que amava José...", perseguindo uma mulher que nunca o quis. Ah, suas famosas aulas particulares, que me deixaram tão infeliz... nem pedindo cuidado, ele poupou meu chão, meus cristais, meu coração.
Ainda assim, eu insisti em esmurrar a faca. Porque eu acreditava que seria capaz de tê-lo algum dia - credulidade, ingenuidade ou burrice mesmo, vai saber. Porque continuava a me consumir em seus olhos, em suas mãos, eu permaneci junto dele.
Me alimentei de suas risadas, me inspirei em suas convicções, me acalmei a seu lado. Nossa amizade, enfim, já começava a me bastar.
A tarde virou noite. Sem estrelas, sem lua, fria, ventosa. Anoiteci.
Eu não estava preparada, mas ainda assim ele trouxe o escuro para mim, sem perguntar, sem anunciar. Me despejou uma tempestade no colo; as janelas bateram, as portas também. Cortinas rasgaram, quadros caíram das paredes e eu, atordoada no meio deste tumulto, não soube pra onde correr.
Ele bagunçou meus armários, revirou minhas gavetas, e nem o relicário onde guardávamos nossa amizade ele deixou arrumado. Nem ali, o lugar mais precioso do meu coração, aonde eu o guardava protegido para além do homem, para além das minhas expectativas, para além de todo o afeto... nem este recanto ficou intacto.
(pelo menos este santuário, tão caro para mim, estamos reconstruindo juntos, pedrinha a pedrinha)
Tudo em mim, todos os cômodos, estão de pernas para o ar. Cada vez que acordo, naqueles segundos de semi-consciência, fico rezando para que isso seja um pesadelo, uma história ruim que minha insegurança inventou. Só que nem esta mente ensandecida criaria um roteiro destes.
Quase cinco meses de pura leveza que se passaram como um dia. Uma conversa de uma hora que se arrastou como uma tortura infindável e me devastou, me deixou de paredes caídas, de alma cinza, de portas fechadas.
E eu não sei se quero que o sol volte a brilhar sobre mim - porque acho não vou sobreviver a outra tempestade dessas.
Comentários
Postar um comentário