Eu, que não sei quase nada do (a)mar

Eu caminhava pela praia num dia de muito sol. A areia, escaldante, me queimava os pés, mas eu não me dava conta de que andava me equilibrando nas pontas dos dedos.

Insegura, ora abria os braços, tentando manter o precário balanço, ora cedia à gravidade - e cada queda era acompanhada de arranhões e queimaduras.

Tudo o que eu mais desejava era ser capaz de caminhar por aquela praia sem me ferir: livre, solta, com um sorriso no rosto. Queria somente apreciar a brisa e sentir o cheiro do sal.

Eu queria, apenas, ser feliz.

*

Avistei-o de longe.

A mim, foi impossível não registrar aquela presença segura de si (e, porque não admitir, extremamente atraente). Tarefa complicada, ignorar os olhos sorridentes e aquele ar meio moleque que eu entrevia através de sua aura de homem sofisticado.

*

Ele virava as pedras enterradas na areia, à cata de conchinhas. Examinava cada uma que achava, com delicadeza, olhos atentos e dedos experientes. Mantinha consigo - vai entender - as partidas, rachadas ou imperfeitas. Encontrava, e admirava, a beleza no caos.

Mesmo com tanta distância entre nós, ele também me enxergou. Registrou em mim, logo de cara, a criança tímida e a mulher insegura. E, como fez com seu tesouro nacarado, também me percebeu bonita, apesar de tão confusa e caótica.




Sempre a sorrir, acudiu-me.

"Vem, menina, me dá tua mão", me disse paciente, em seu doce falar musical, com aquele lampejo vívido no olhar. "Tu não vês que bem aqui, ao teu lado, a areia não te queimará os pés?", perguntou, conduzindo-me àquela faixa úmida da praia aonde as ondas quebram.

Foi um alívio quase imediato pisar ali. Sorrindo de minha ingenuidade, dizendo "menina", como quem me acariciava, ele preferiu arregaçar as calças e entrar até as canelas no mar. "Sabes o por quê? É que gosto daquela sensação de quando a areia foge dos pés no recuo das ondas, menina. Não tem nada melhor! Parece que serei levado, também!"

Eu, da beira da praia, tentava refrescar meus pés naquele ir e vir de ondas... mas, por capricho da natureza, elas recuavam antes de me dar completamente o alívio que eu queria. Ficava ali, perseguindo a água que ia e voltava, indomável, num prazer quase masoquista de tornar a ter seu toque gélido em meus pés.

*

De tanto correr atrás de ondas, e de tentar não me enfeitiçar pelo charme daquele estranho já tão conhecido, tão presente em pouco tempo... de tanto me esforçar, me senti enjoada.

Mesmo em terra firme, as ânsias me dominaram. O mero fitar do balanço da água me deixava tonta. Ele, no entanto, continuava enfiado na arrebentação, caminhando em seu passo apressado e se rindo de mim.

Subitamente, me dei conta de que permanecer na areia não me protegeria da dor de viver. Eu continuaria a cair, me esfolar, me queimar... até chegaria ao absurdo de enjoar sem ter, efetivamente, me posto a navegar.

Observei-o atentamente. Ele transcendia sua idade: parecia um garotinho, brincando na água. Sorria para mim como se o melhor lugar do mundo fosse ali, com água até as canelas. Como se a sensação mais maravilhosa fosse ter a areia lhe fugindo dos pés.

Ele sorria docemente; finalmente, eu deixei minhas tristezas e incertezas na areia. Ele me estendeu a mão e disse, como quem me acariciava: "Vem, menina".

*

Ele me sorria.
E eu, sorrindo de volta, fui.

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

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