GMT zero

Madrugada. O sol ainda está longe de raiar, mas a moça não consegue conciliar o sono. Aflita, põe-se a escrever uma carta, como tantas outras que já redigiu durante suas noites insones.
A diferença é que esta vai ser entregue ao destinatário; não será guardada no fundo da gaveta aonde a moça escondia, envergonhada, seus sentimentos.
'Esta', pensa, decidida, 'entregarei em mãos, se for preciso'.

"Querido,

Oito mil quilômetros, um oceano e quatro horas de fuso horário nos separam. Entretanto estou aqui, cheia de angústia no meio da madrugada, pensando em você. Gostaria de estar aí para poder segurar suas mãos, lhe sorrir e dizer 'não preocupa', como tantas vezes você já me disse.

Sinto sua falta. Do bom dia de todos os dias; das conversas que temos e de seus conselhos; das milhares de fotos que você me manda e de cada pequeno detalhe de sua vida que você me deixa entrever, como se me permitisse espiá-lo por uma fresta de janela.

Acho que estou muito mal acostumada - e a culpa é sua. Já viu a lua, hoje? Ela tá linda. Será que aí, do outro lado do oceano, também? Ela me fez lembrar que, ainda outro dia, você me disse 'vou vê-la e pensarei em ti, tão linda quanto ela'.

Sinto tanto, tanto a sua falta. Da sua honestidade dura, quase bruta, que sempre me deixa sem fôlego; de como você me obriga, sorrindo e me dando a mão, a sair da minha zona de conforto; de admirar sua simplicidade e a infinidade de coisas desimportantes que você sabe. E de como, subitamente, elas se tornam tão interessantes pra mim.

Queria estar aí, pra segurar sua mão. Dar meu sorriso - aquele, que você tanto gosta e elogia - e dizer que vai ficar tudo bem. Dar-lhe um abraço apertado (ou vários) e conseguir tirar esta tristeza que toma conta de você e, incrivelmente, tem o poder de lhe silenciar. Só sentar do seu lado, quieta, como se minha companhia pudesse lhe acalmar.

Ah, se minha presença pudesse tirar de seu peito este sentimento, de que você está perdido na órbita da Terra. Ah, querido.

Oito mil quilômetros, um oceano e quatro horas. E eu queria estar aí, pra deixar você implicar comigo, me chamar de hipocondríaca, resmungar da minha brancura, da minha timidez, do jeito maluco que eu dirijo e de como sou 'a única pessoa no mundo' a não gostar de chá e a usar relógio.

Pra ouvir o 'menina', tão delicado, tão carinhoso, que só você me diz. Pra compartilharmos o mesmo talher, um dos gestos mais íntimos que já tive na vida, sem nem sequer tocar você.

Pra ver o seu sorriso de menino levado quando apronta comigo. E pra contar que, finalmente, escolhi o quadro que representa você pra mim. Se eu, pra você, sou um clássico, um Vermeer... você, pra mim, é Noite Estrelada, do Van Gogh. Com todas as cores, a lua, as estrelas, a aldeia ao fundo. Você, pra mim, é o cipreste, em primeiro plano, que sozinho observa esse caos impressionista.


De sterrennacht (A noite estrelada). Van Gogh, 1889.

Nesta semana, a gente não vai se ver. Não vou me separar de você com aquela sensação frustrante de que deixei passar (mais) uma oportunidade importante com alguém tão especial.

Oras, mas por que, então...? Por que cargas d'água estou com este buraco no peito?

Ah, darling. É o espaço que já estava reservado para as suas histórias fantásticas, para as nossas risadas... para o seu olhar, aonde, às vezes, imagino ver um laivo de desejo brilhando por mim. Para, quem sabe, finalmente aproveitar aquela oportunidade. Esquecer os seus - e os meus - tantos impedimentos.

Não será nesta semana. Temos uma distância física imensa entre nós: oito mil quilômetros; um oceano; quatro horas de diferença de fuso. Literalmente, um mundo de experiências a mais na sua bagagem. Irracionalmente, todo o medo do mundo no meu peito.

Como é, mesmo, querido, que nos encontramos e nos atraímos? Não aconteceria, se levássemos em conta as probabilidades; mas o acaso sobreveio e, eu pressinto, o improvável vai se concretizar: porque você já está impresso indelevelmente em mim e eu, inexpugnavelmente guardada em você.

Eu sei. Não me pergunte como, mister, mas sei. Eu sinto.

No final das contas, a distância não existe. São apenas números e detalhes geográficos, para os quais eu não ligo. Oito mil quilômetros e um oceano não são nada. As quatro horas de diferença não contam.

Porque estou aqui, ansiando por você. Tanto, tanto... querendo sua volta, para finalmente contrariar o acaso, acabar com as impossibilidades, e concretizar o intangível.

Um beijo. Volta logo, que sinto sua falta.

Ciao."

Finalmente aliviada, a moça salvou o post. Agora, o compartilha com vocês - e com ele. ;)

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