Carne crua

Para J., com carinho, em seu dia (hope it seduces you and get me some more points, baby).

Haviam se conhecido há pouco mais de um mês. Mas parecia mais tempo. Muito mais.

Apresentados por um amigo em comum, por motivos profissionais, tinham conversado apenas por e-mail. Ela, jornalista, precisava de um parecer técnico: um perfil psicológico de um criminoso. Solícito, ele a atendeu e respondeu rapidamente os questionamentos da moça.

Um dia antes do fechamento da pauta, mais dúvidas. Abusando da boa vontade do psicólogo, e temendo que ele não visse uma mensagem eletrônica a tempo, ela ligou no celular dele.

Depois de alguns dias, ele, como quem não quer nada, a chamou no Whatsapp. Meio formal no começo, a conversa girou em torno de trivialidades e da simpatia instantânea que surgiu entre os dois. Logo, foram contando coisas pessoais, compartilhando gostos, detalhes e risadas.

A conversa passou a ser diária. Ambos se perguntavam como tinha sido o dia, se preocupavam com um problema eventual ou algum mal-estar cotidiano, riam juntos e quase não conseguiam se dizer tchau, mesmo após horas de papo.

O clima e a atração mútua também não demoraram a aparecer. Preferências sexuais, predicados e qualidades na cama, o que gostavam (e o que não curtiam) foram sendo listados, mostrados dele para ela e dela para ele, como duas crianças que exibem seus brinquedos favoritos uma à outra.

Trocaram fotos e mensagens de voz. E o tesão entre os dois só aumentava. 

Ela lhe falou de sonhos e vontades. Ele, de anseios, dos desejos para o futuro. E, no meio de tudo isso, às vezes brincavam de fantasiar uma sacanagem. Tudo por mensagem, com os verbos no presente. Como se estivesse mesmo acontecendo.

"Não me chama, que vou até aí", dizia ela.
"Chamo. A porta já tá destrancada", retrucava ele.
"Tô indo então. De vestido", ela digitava, apressada.
"Vem, mas tira a calcinha", suspirava ele.

E, assim, as brincadeiras fluíam: deliciosas, excitantes, envolventes. Mas era mais que isso. Ele era o amigo para todas as horas; o ombro que ela queria presente quando estava triste; o homem que ela gostaria que lhe desse a mão para passear na praia. Ele, às vezes, se pegava pensando qual seria o cheiro da curva do pescoço dela - e se aquela boca carnuda era realmente doce como aparentava ser. De vez em quando ele sonhava com a voz dela, e morria de vontade de ligar no meio do dia, só para dizer "oi, senti sua falta".

Porque ele sentia. Mais do que de muita gente que ele realmente conhecia - mas será que só porque não a havia encontrado pessoalmente, ainda não a conhecia?

Haviam se conhecido há pouco mais de um mês. Mas parecia mais tempo. Muito mais.

No meio de uma conversa, ela lhe contou que seu aniversário se aproximava. Ele, sem pensar, perguntou o que ela queria de presente.

A resposta veio rápida e precisa: "Você".

O coração dele disparou.

"Hahaha. Tô falando sério", ele brincou, sondando se a intenção dela era iniciar outra daqueles jogos entre os dois.
"Eu também", ela retrucou. "Não consigo mais parar de pensar como seria nós dois juntos".
"E eu estou morrendo de vontade de te ver nua, em cima de uma cama, me querendo", respondeu ele, afogueado.

Combinaram, então, que se encontrariam na véspera do aniversário dela. Que jantariam e veriam se, ao vivo, a atração seria mútua. E, se fosse...

Marcaram em um restaurante. Foi esquisito vê-la ali, materializada em uma mulher. Sua amiga, aquele amontoado de letrinhas com quem ele conversava, transformada em uma pessoa. Absolutamente charmosa. Ruborizada, sorrindo timidamente, com um brilho malicioso nos olhos, ela o abraçou como a um velho amigo, e sussurrou em seu ouvido "mas você é muito melhor pessoalmente!". Ele teve vontade de arrancar o vestido dela ali mesmo.

Jantaram. E, enquanto escolhiam a sobremesa - ambos completamente excitados um com o outro - ela se debruçou sobre a mesa de modo a exibir o decote para ele. Mandando o cavalheirismo às favas, ele pregou os olhos em seus seios, e descobriu que ela estava sem sutiã: a beirada rosada de uma auréola apareceu.

Em cinco minutos, terminaram o jantar e se beijavam enlouquecidamente no carro dele. Pararam no primeiro motel que encontraram no caminho.




Depois, pensando no que houve, tudo o que ela conseguiu pensar foi que o tempo que passaram lá foi uma deliciosa confusão. Uma mistura de corpos, de membros, de fluidos e de cheiros, de gemidos e de gritos. E de prazer, de muito prazer. Ela não se lembrava de ter se sentido tão à vontade na cama quando transou pela primeira vez com um homem, nem de ter gozado tão gostoso.

Ele saiu de lá exausto. Como se não pudesse dar mais dois passos. Como se, no sexo oral, ela lhe tivesse sugado toda a energia; como se, ao gozar, tivesse deixado sua essência vital na camisinha.

Ainda assim, ambos estavam leves e felizes. Querendo mais e, ao mesmo tempo, com medo de estragar a amizade por conta da transa. Ele não queria que ela achasse que ele só pensava em sexo. Ela, por sua vez, estava doida por mais uma noite com ele, mas ficou com receio de que ele a achasse atirada demais.

Encabulados, se afastaram.
Ficaram sem se falar por alguns dias.

Mais do que o sexo, a ela faltava o amigo. O homem carinhoso, que lhe elogiava todos os dias e lhe dizia "se cuida" a cada conversa que tinham. Para ele, faltava o sorriso em cada palavra e as delicadezas que ela lhe enviava.

Ambos sonhavam com mais uma noite.
Mas lhes carecua a coragem do primeiro passo.

Em uma madrugada quente, ela rolava na cama, incapaz de dormir. Pensava nas mãos dele em seu corpo, em sua língua deixando-a maluca. Aqueles sussurros em seu ouvido e o gemido profundo que ele deu quando gozou. E o jeito que ficou deitado, tremendo, em cima dela...

Era o calor. Não era desejo. Só podia ser o calor, não era saudade dele. Tinha de ser o calor, não vontade de tê-lo novamente.

Sentou na cama. Tinha de falar com ele, tinha que apagar este fogo que a consumia, tinha que trazer seu amigo de volta.

Estendeu a mão para o celular. Ele tocou. Espantada, viu piscar no visor o nome dele.

Haviam se conhecido há pouco mais de um mês. Mas parecia mais tempo.

Muito mais.

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