Meu tempo, seu tempo.

Ela, moderna, descolada, independente.
Ele, divertido, dedicado, moço família.

Ela possuía um relógio especial. Herança de família, da avó amada, ele não marcava o tempo comum, mas as horas felizes, os momentos compartilhados ao lado de alguém especial e, principalmente, os dias de amor.
E, porque era uma pessoa tão otimista, tão risonha, seu relógio funcionava a todo vapor. Os ponteiros - sim, era um relógio antigo, uma relíquia muito antiga - giravam furiosamente, acelerados. Querida pelos amigos, de risada franca e aberta e olhos iluminados, ela mantinha seu bem mais precioso funcionando pelo poder de seu bom humor.

Mas os ponteiros das horas, aqueles movimentados pelo amor, moviam-se lentamente.

Ele, ao longo da vida, foi colecionando ansiedades e tristezas no amor. A cada uma, jogava os maus sentimentos num riacho, para que fossem lavados, e seguia confiando que, um dia, o verdadeiro amor, aquela mulher que lhe transbordaria a alma, chegaria.

Um dia, alguém quebrou o ponteiro das horas do relógio dela. Partiu-o em dois, de uma maneira tão abrupta e definitiva, que os outros ponteiros estacaram, congelados. Afinal de contas, se o simples ato de viver lhe doía, como é que seu relógio de felicidade funcionaria?

Desolada, guardou-o em uma caixa, apenas para mantê-lo seguro e, quem sabe um dia, repassá-lo à sobrinha, como uma joia ultrapassada.

*

O destino, incansável ligador de pessoas e vontades desconhecidas, fez com que seus caminhos se cruzassem.
Ele, ansiando por alguém que lhe trouxesse brilho aos olhos.
Ela, dolorida, machucada, alheia ao amor.

Os olhos dele brilharam - do jeitinho que ele queria - no momento em que a viu. Esperta, ela reparou, mas escaldada, fingiu não ver. Se protegeu de sentir algo novamente. Não queria seu relógio estragado para todo o sempre.

Paciente, com uma sabedoria além de seus anos de vida, ele esperou. Ao lado dela, mostrou-lhe amizade, falou-lhe de coincidências, de gostares, de delicadezas. Conquistou-lhe a confiança e o carinho, até lhe mostrar as estrelas que tanto brilhavam em seu olhar.

Ela já lhe nutria afeto. Sentia que aquilo podia virar amor - como nele já era, há tempo, - mas o medo de pular novamente no abismo afligia seu coração. Pensando na avó, que lhe dera o relógio com tanto carinho, e na sobrinha, para quem queria passá-lo, ela resolveu que não valia a pena se entregar.

Escreveria-lhe uma carta explicando-lhe os motivos. Ele entenderia.

Sentada em sua escrivaninha, às lágrimas, ouviu, pequenininho, um "tique" vindo de seu armário. Admirou-se do barulho e, intrigada, buscou a caixa na qual guardara seu precioso relógio.

Ele funcionava. O ponteiro dos segundos, o dos minutos e, para seu absoluto descrédito, o das horas. Todos trabalhando perfeitamente... graças ao amor que ela, sem querer admitir, já nutria por aquele homem, tão especial.

Amassou a folha de papel, enxugou as lágrimas, pendurou o relógio no pescoço.
E foi amar.
Porque amor, agora, só com ele. Só dele.

*

Pri e Denis, meus queridos, esta fábula me saiu de um único fôlego.
Vocês sabem o quanto eu torci (e torço) por esse amor que foi construído pedrinha a pedrinha. E me sinto muito, muito honrada por compartilhar este momento, único e especial com vocês.
Por isso, o primeiro texto do ano... Dedico aos dois, com muito amor. 

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