Quando eu consigo transformar um sentimento em texto, parece que consigo entendê-lo melhor. É que eu não sou muito boa nesse negócio de me expressar verbalmente, porque sou muito, muito tímida. Parece que se eu escrever, consigo me aprofundar e dizer o que me vai pela cabeça - e no coração. Foi assim com o primeiro post desse blog e agora vai ser com esse.
Minha vó materna faleceu no último sábado. Estava muito doente, coitadinha, e não resistiu. Quis escrever esse texto para falar um pouquinho dela.
Dona Florinda nunca foi uma vó daquelas típicas: a que usa aventalzinho, faz doce de monte e todas as vontades dos netos. Muito pelo contrário. Nós, os netos, sempre andamos na linha perto dela.
Ela nasceu numa família grande de sírios que vieram pro Brasil fugindo da Guerra Civil. Meu biso veio pra cá e passou 11 (isso mesmo, onze) anos separado da mulher, que um dia se cansou e veio atrás dele de navio, sem falar uma palavra de português, com uma filha de 10 anos. Minha vó foi um dos filhos que nasceu já aqui, em Barretos.
Eles vieram para São Paulo depois, para tentar uma vida melhor. Com 18 anos, minha vó já namorava meu vô, se casando aos 20. Ela contava diversas histórias daquela época - de como a família do meu avô era diferente, mais solta, mais animada que a dela, como a mãe dela ficou doente (minha bisa morreu de angina) e não tinha forças nem para pentear o cabelão imenso... uma infinidade de histórias, algumas tristes, outras mais alegres, mas sempre contadas com aquele jeito durão.
Ela perdeu a mãe com 21 anos, logo depois que a primeira filha (minha mãe) nasceu. A vida toda trabalhou muito - mas muito mesmo - para manter os filhos e ajudar meu avô, que teve muitos imprevistos financeiros na vida. Sempre a ouvi contando de como vendia roupas, sapatos, bijuterias, o que fosse, para tirar um troquinho e ajudar na casa.
Acho que essa vida de muita labuta a deixou dura. Ela nos fazia, sim, pequenos mimos, aquelas delicadezas de avó, mas sempre com uma cara austera e palavras severas nos lábios. No fundo, do jeito dela, era a maneira que encontrou de nos declarar seu amor.
Da Dona Flor eu herdei a fé intensa em Santo Expedito. Desde que me conheço por gente, era só ter algo difícil - uma prova, vestibular, uma entrevista de emprego - a gente ligava pra vó, que já se punha a rezar pro santo. Não sei bem se era a confiança de saber que tinha alguém lá torcendo, mas pra mim sempre funcionou. E Santo Expedito é o meu santo de devoção graças a ela.
Depois de adulta, nossa relação mudou. Ela abrandou um pouco depois que virou bisavó e eu passei a ter mais respeito por ela, por compreender melhor que sua vida não foi muito fácil. E me divertia a valer com as coisas erradas que ela falava: "Bete Zangalo" e "Vagner" para a Ivete Sangalo e para o Fagner...
Tenho muita pena pelo que ela passou nesses últimos tempos. Primeiro de bengala, depois andador e cadeira de rodas, até ficar confinada na cama no ano que passou. Estava já há quase um mês na UTI e nós mesmos reconhecemos que estava sofrendo muito, muito judiada e que foi um descanso pra ela.
Ah, mas como é difícil dizer tchau...
Espero que ela agora possa estar em outro plano, sendo cuidada e bem recebida pelas pessoas a quem amava tanto e já estão "do lado de lá". E que de alguma maneira possa continuar orgulhosa de mim.
Minha vó materna faleceu no último sábado. Estava muito doente, coitadinha, e não resistiu. Quis escrever esse texto para falar um pouquinho dela.
Dona Florinda nunca foi uma vó daquelas típicas: a que usa aventalzinho, faz doce de monte e todas as vontades dos netos. Muito pelo contrário. Nós, os netos, sempre andamos na linha perto dela.
Ela nasceu numa família grande de sírios que vieram pro Brasil fugindo da Guerra Civil. Meu biso veio pra cá e passou 11 (isso mesmo, onze) anos separado da mulher, que um dia se cansou e veio atrás dele de navio, sem falar uma palavra de português, com uma filha de 10 anos. Minha vó foi um dos filhos que nasceu já aqui, em Barretos.
Eles vieram para São Paulo depois, para tentar uma vida melhor. Com 18 anos, minha vó já namorava meu vô, se casando aos 20. Ela contava diversas histórias daquela época - de como a família do meu avô era diferente, mais solta, mais animada que a dela, como a mãe dela ficou doente (minha bisa morreu de angina) e não tinha forças nem para pentear o cabelão imenso... uma infinidade de histórias, algumas tristes, outras mais alegres, mas sempre contadas com aquele jeito durão.
Ela perdeu a mãe com 21 anos, logo depois que a primeira filha (minha mãe) nasceu. A vida toda trabalhou muito - mas muito mesmo - para manter os filhos e ajudar meu avô, que teve muitos imprevistos financeiros na vida. Sempre a ouvi contando de como vendia roupas, sapatos, bijuterias, o que fosse, para tirar um troquinho e ajudar na casa.
Acho que essa vida de muita labuta a deixou dura. Ela nos fazia, sim, pequenos mimos, aquelas delicadezas de avó, mas sempre com uma cara austera e palavras severas nos lábios. No fundo, do jeito dela, era a maneira que encontrou de nos declarar seu amor.
Da Dona Flor eu herdei a fé intensa em Santo Expedito. Desde que me conheço por gente, era só ter algo difícil - uma prova, vestibular, uma entrevista de emprego - a gente ligava pra vó, que já se punha a rezar pro santo. Não sei bem se era a confiança de saber que tinha alguém lá torcendo, mas pra mim sempre funcionou. E Santo Expedito é o meu santo de devoção graças a ela.
Depois de adulta, nossa relação mudou. Ela abrandou um pouco depois que virou bisavó e eu passei a ter mais respeito por ela, por compreender melhor que sua vida não foi muito fácil. E me divertia a valer com as coisas erradas que ela falava: "Bete Zangalo" e "Vagner" para a Ivete Sangalo e para o Fagner...
Tenho muita pena pelo que ela passou nesses últimos tempos. Primeiro de bengala, depois andador e cadeira de rodas, até ficar confinada na cama no ano que passou. Estava já há quase um mês na UTI e nós mesmos reconhecemos que estava sofrendo muito, muito judiada e que foi um descanso pra ela.
Ah, mas como é difícil dizer tchau...
Espero que ela agora possa estar em outro plano, sendo cuidada e bem recebida pelas pessoas a quem amava tanto e já estão "do lado de lá". E que de alguma maneira possa continuar orgulhosa de mim.
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Minha vó Flor (1929 - 2010) |
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