Eu sofri assédio moral - e sobrevivi pra contar

Quem acompanha meus posts no blog sabe que muitas vezes meus textos são uma catarse: através deles, desafogo minhas emoções e consigo me expressar melhor do que falando.

Pelo título, já dá pra saber que neste não tem nada ficcional, nem romântico. Pensei bem e decidi que quero contar tudo exatamente como aconteceu. Primeiro, para que outras pessoas que passam por isso - e não são poucas, creiam - possam entender que o assédio não é culpa delas. Depois, porque essa é uma maneira de encerrar esse capítulo, erguer a cabeça, voltar à vida e ser feliz.

Eu trabalhei um ano e meio nessa empresa. Por conta de grandes demandas profissionais, optei por me dedicar exclusivamente à carreira, e acabei trancando matrícula na pós-graduação, além de abrir mão de estar presente para a família e os amigos. Foi tudo uma opção minha e não me arrependo de nada.

Foram 18 meses de viagens incessantes. Estive em quase todos os estados do país, até em lugares em que eu não imaginava nunca que estaria, como Santarém, no Pará, e em Boa Vista, Roraima. Perdi o medo de andar de avião (ainda bem!) e aprendi a estar comigo mesma. Em muitas vezes, acordei e, morrendo de sono, não sabia bem em que lugar estava - quem dorme nos Ibis da vida sabe que um dia todos os hotéis acabam sendo iguais.

Aprendi também a me virar sozinha, a confiar em meu trabalho, a ser "mais comercial". Entendi que para trabalhar com pessoas, principalmente em treinamentos, ouvi-las é tão importante quanto falar com elas. Venci aquela timidez natural de todo ser humano, quando se entra em uma sala com 100 pessoas. Dominei minha insegurança e minha ansiedade. Só que nada disso foi suficiente.

Após um ano e quatro meses, fui chamada para uma reunião com o Gerente Nacional de Vendas (que não era meu chefe), com o pretexto de receber feedback sobre o meu trabalho. Detalhe: eu sabia, de antemão, que ele vinha falando mal de mim para diversas pessoas na empresa. Rádio peão é uma droga. Mas eu nunca achei que ele teria coragem de dizer tudo na minha cara.

Durante 40 minutos, usando um tom "sou seu amigo e tudo que estou falando é para seu bem", essa criatura literalmente me descascou. Disse que eu era pouco feminina (isso para uma mulher que tem um peito tamanho 48C), que eu me vestia mal, que tinha que caprichar mais em acessórios, fazer progressiva no cabelo, melhorar o jeito de me maquiar, usar vestido... até o culminar em "não vou falar nada a respeito de seu peso, pois sei que tem gente que tem problemas para emagrecer".

Não sei se você, que chegou até aqui nesta leitura, tem ideia do que é para uma mulher que a vida inteira lutou com a balança escutar isso. O que é entender que absolutamente NADA do que você fez foi levado em consideração ou valorizado pela empresa. A situação foi tão insólita que o tempo inteiro só fiquei ali sentada, pensando que nada daquilo estava acontecendo - eu deveria estar sonhando! A única coisa que eu consegui rebater foi a última crítica, dizendo que nunca enganei ninguém, já que fui cinco vezes na empresa ao longo do processo seletivo; logo, se existia um biotipo para o cargo, eu deveria ter sido limada antes de ter sido contratada.

Acostumado a lidar com pessoas mais dóceis e subservientes, ele não imaginou que eu rebateria seu discurso. Desconfortável, fez questão de me dizer que só foi o porta voz de uma impressão coletiva dos gerentes e que não achava justo que todos comentassem sobre mim pelas minhas costas. Como se eu fosse amiga dele, ou como se eu não soubesse quem deu início a esses boatos.

Nos dias que vieram a seguir, soube (ah, a famosa rádio peão...) que em reuniões gerenciais havia piadas cruéis, insinuações de que eu tinha um caso com um dos gerentes (ué, mas não era eu que era pouco feminina?), e todo o tipo de fofoca que pode destruir alguém. Saí de férias me sentindo a pior das pessoas, arrasada, e decidi que tudo o que queria era sair de lá. Não me importava se eu não tinha outro emprego em vista, só precisava me afastar de tudo aquilo, daquelas pessoas, e retomar minha vida.

Não era bem assim, infelizmente. No dia em que fui oficializar minha demissão, tive a infelicidade de topar com o tal "amigo", que ainda teve a coragem de vir me pedir desculpas, já que tudo o que me disse era simplesmente "uma dica pra você melhorar". Fiz questão de lhe dizer que ele conseguiu o que queria: me tirar da empresa, e que podia muito bem viver o resto da vida sem o meu perdão.

Sair de lá não me trouxe a paz que eu precisava. Achei que me afastando conseguiria me recompor, voltar a ser uma pessoal "normal". Mas não conseguia parar de pensar em tudo. Fechava os olhos e só conseguia ouvir a voz dele, pensar nas piadinhas em reuniões... aquele fogo brando me consumindo aos poucos e me matando.

Eu sempre fui uma pessoa de não confrontar as situações. Eu sou daquelas que tenta amenizar conflitos, evitar discussões... não gosto de brigas e não lido bem com raiva. Percebi que esta era uma oportunidade para aprender a confrontar e a enfrentar todos aqueles que me fizeram mal. Foi isso que me fez buscar a justiça, e não um sentimento de vingança.

Foi difícil. Não vou negar. É um processo complicado, que te rasga em dois, que te sacrifica, que faz você sofrer porque tem que relembrar diversas vezes tudo aquilo que te fez mal. É difícil ter que estar no mesmo lugar em que a pessoa que te machucou tanto. Pensar na perspectiva de se sentar em uma mesa frente a frente com esse alguém e ter que torcer pra outra pessoa julgar se você tem razão não é fácil.

Mas valeu a pena. Durou pouco mais de um ano, e eu acabei optando por um acordo porque não queria mais carregar esse fardo comigo.

Essa história toda é pra dizer que é MUITO duro, mas eu saí fortalecida. Porque finalmente racionalizei e entendi que meu trabalho incomodava este ser infeliz, e esse foi o jeito que ele encontrou de me tirar da frente; porque descobri que tenho muito mais coragem do que imaginava; porque não podemos aceitar nunca uma situação dessas; e, principalmente, porque a culpa não foi minha, apesar das infinitas vezes em que me perguntei o que tinha feito de errado.

Finalmente, eu entendi que não tinha responsabilidade de nada. O coração quase parou nas duas vezes em que tive que encarar essas pessoas, mas bateu feliz por eu ter me superado, por ter encarado e porque eu disse "não". Eu não aceito sua maldade. Eu não aceito seu descaso. Eu não aceito seu preconceito. Eu não quero sua maldade perto de mim.

Tenho plena consciência de que não mudei o mundo, e que provavelmente condutas parecidas continuarão a acontecer nesta empresa. Mas fiz a minha parte: silenciei aquela voz na minha cabeça, finquei o pé e tomei as rédeas da minha vida nas mãos.

Fechei a porta. Agora, vou ser feliz.

Comentários

  1. Puxa vida, que história triste, mas ao mesmo tempo vitoriosa!! Parabéns pela coragem. Eu imagino um pouco, pois também já sofri assédio moral e sei bem o quanto dói...

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  2. Tatá, você foi forte demais! Parabéns. Fez mais que certo! Não temos que aceitar o preconceito e maldade de ninguém.
    Te amo!

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  3. Gente, quando leio seus comentários, sei que fiz a coisa certa!
    Obrigada!
    Um beijão! <3

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  4. Parabéns por não deixar essa pessoa te destruir, suportar o peso desse fardo e por ter superado toda essa situação. Bora cuidar dessa pessoa maravilhosa e linda que tive a oportunidade de conhecer. Que novos e bons caminhos façam parte da sua vida!!!! E é claro, que neles você cruze com pessoas do bem!!! Um grande abraço, Su (coral do Canto)

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    1. Su, com certeza vc é uma dessas pessoas lindas que cruzaram o meu caminho e transformaram minha vida! Obrigadão! Bjs

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  5. Por mais que saiba que não foi nem será a única, não canso de me indignar. Que a lei, essa organização coletiva para dar jeito no caos, tenha sido cumprida e de resto ... bananapressagente! Bj

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  6. Tássia, apesar da distância (em espaço e tempo), sempre te admirei pela inteligência, simpatia e talento. Seu belo sorriso aberto é sua assinatura, seu carisma é um imã que atrai mais quem se aproxima e te conhece. Este é um típico episódio que merecia ter dois finais: um feliz para você pela superação e novas conquistas por vir e um triste para o infeliz que foi porta-voz apenas da sua própria ignorância e para a empresa que o acolhe. Ação de assédio moral no cara a na empresa seria o mínimo. Continue você, feliz, resolvida e muito acima dessa ralé preconceituosa.Bjs!

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  7. Ô, gente, obrigada mesmo pelas palavras!
    Em especial ao João... prova de que quando a gente planta o bem, mesmo tanto tempo depois, ainda colhe coisas boas! Obrigada mesmo! Um grande beijo!

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  8. Adoro ver gente de alma limpa...alma lavada!

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  9. Tá... que lindo. Que gesto lindo de amor, vc fez para você. E, compartilhar essa história aqui, foi de uma coragem tamanha. Querida, você fez o que é certo pra você, para sua consciência, para o mundo e também para esse infeliz amargar isso e ter que explicar essa história para os filhos deles, que, se o destino permitir, serão beeeeeeeeeeeeeeem gordinhos. E ele vai ter que comprar um carro bem grande para caber os filhos fofos, porque o que ele tem não vai dar. Isso, se ele ainda está empregado e não teve que vender o carro para pagar as contas. Desculpe, fiquei tão enojada com esse cara, que não contive minha vingança! rs

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    1. Pati, é como se diz... a obesidade tem cura. Falta de caráter, não.
      Obrigada pelo seu carinho! E um beijão bem grande pra vc!

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  10. :) sensacional, não mude nada em você.

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  11. Orgulho de você, Tassia, cada vez mais, sei como foi difícil, passei por coisas parecidas, você teve a coragem de ir até o fim, e encarou o que são essas pessoas, são apenas maldade e medo. Deus te abençoe querida maravilhosa.

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  12. Coragem de expor as lutas que passamos .Mas a Vitoria venceu.(desculpe pelo pleonasmo, rs)

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  13. Já tinha visto um relato seu disso antes, Tassia.
    Que coisa dura.
    E comum.
    As pessoas fazem isso mesmo.
    Que bom que você enfrentou.
    E tá aí, inteira, linda.
    Beijo.

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