Uma flor para o piloto

Um conto de fadas inspirado pelo casamento de Fernanda & Marcelo.

Era uma vez uma flor rara.
Ela não era rara porque havia poucas de sua espécie. A flor era rara porque tinha sido criada de uma maneira diferente.
Desde que era só um brotinho, o jardineiro cuidou da flor com muito amor. Regar e adubar eram somente tarefas cotidianas desse homem, que amava sua florzinha mais que tudo. Um dia, ele achou que a flor era delicada demais e a colocou em uma redoma, pois achava que assim a protegeria de todos os males que viriam ao jardim.
Assim cresceu a florzinha. Cercada de cuidados, de mimos, de carinhos, a cada dia ela ficava mais e mais delicada. Um vento poderia despetalar a coitadinha. Um olhar mais duro poderia murchá-la. Mas ela não se preocupava: seu jardineiro estava sempre a postos para protegê-la!

Só que um dia o jardineiro se foi.
Ele não escolheu partir. Se pudesse, teria ficado para sempre em seu jardim, cuidando de suas plantas e de sua florzinha amada. Mas o chamado foi feito pelo Criador - quem era ele, um simples jardineiro, para dizer não ao Pai? Não havia jeito. O jardineiro arrumou suas coisas e partiu em direção ao céu.

Nunca houve dia mais triste no jardim. Todas as plantas se preocuparam com a florzinha. Afinal de contas, tão delicada, como haveria de resistir à partida de seu jardineiro dedicado?
Para ela, não haveria como continuar sem a presença dele. Sua tristeza foi tão imensa, tão palpável, tão concreta, que sua redoma se quebrou. Nesse momento, todos tiveram a certeza de que a florzinha não sobreviveria.
Quando a redoma se partiu, a flor olhou para o céu, certa de que veria nuvens negras, raios e tristeza caindo de lá de cima. Em sua imaginação, a natureza só poderia se rebelar contra a partida de seu querido jardineiro. Mas, pelo contrário, o céu estava azul, não havia uma única nuvem... o sol brilhava e até uma leve brisa soprava mansamente.

Foi aí que a transformação ocorreu. A delicadeza se foi. A flor se fechou, endureceu suas pétalas e jurou para si mesma que nunca mais apreciaria a beleza do céu em um dia de verão.
De uma hora para outra, ela deixou de ser uma plantinha e virou adulta. Lá no fundo do seu peito, ela escondeu a florzinha assustada e prometeu que não deixaria mais ninguém chegar perto do lugar que o jardineiro teve em sua vida.

Muitos anos depois, em um daqueles lindos dias de céu azul que ela detestava, um estranho aparelho vindo do céu pousou no jardim. Era um plano-cóptero, uma máquina usada para voar, que dependia de tempo bom e céu azul para decolar.
Os plano-cópteros eram máquinas muito complicadas, e para ser piloto, a pessoa tinha que ser muito inteligente e dedicada.
O piloto daquele plano-cóptero que pousou no jardim era uma pessoa muito inteligente e dedicada. Tão dedicado, que passou anos estudando para ser piloto, e acabou desaprendendo de como se deve valorizar as pequenas coisas de todo dia.

Mesmo quando voava, o piloto não apreciava a beleza do céu azul, o calor dos raios do sol, o carinho da brisa mansa no rosto... com os pés no chão, então, sua atenção era toda de livros, contas, máquinas e relatórios. Não reparava mais no canto dos pássaros, no gosto da água da chuva, na maravilha das flores que desabrocham.
Ele tinha tudo: inteligência, dedicação e sucesso, mas sentia um buraco enorme no peito. Não estava satisfeito, parecia-lhe que faltava algo... e ele, em seu raciocínio lógico, achava que era falta de estudo. Cada vez que se sentia infeliz, o piloto juntava seus livros e estudava.

No dia em que pousou seu plano-cóptero no jardim, o piloto nem reparou nas flores. Nem quis saber dos perfumes inusitados, da grama macia, do colorido de cada uma. Ele pousou porque ouviu um barulho estranho na turbo-hélice de seu plano-cóptero. Preocupado em manter a integridade de sua engenhoca, pousou no primeiro lugar livre que encontrou para ver o que havia.
Lá pelas tantas, no meio do conserto, o piloto avistou a pequena flor e o restante de sua redoma, quebrada há tantos anos, que ela conservava por perto para não se esquecer que não podia baixar a guarda para ninguém.
Mais intrigado pela redoma quebrada que pela florzinha, o piloto se aproximou de mansinho. Sua ideia era consertar a peça - afinal de contas, ele era muito prestativo - como agradecimento ao dono do jardim, por ter pousado lá.

Aí se deu o encanto. Sabe-se lá por qual motivo... mas os olhos se encontraram, um bando de borboletas levantou voo, uma brisa soprou. O piloto sentiu o perfume sutil da florzinha e ela, bem naquele momento, viu a luz do sol refletida no rosto dele. Bem nas coisas que menos importavam para os dois, ambos se encontraram e se apaixonaram.
Ele, pragmático, racional, decidido, sentiu um certo receio daquele sentimento inesperado, é claro. Mas como todo homem, depois que aceitou a paixão, não teve dúvidas de que a coisa que ele mais queria era cuidar da flor, estar perto dela, vê-la feliz.
Ela, por outro lado, se apavorou. Fazia tempo que seu coração não batia tão forte. Na verdade, ela nunca tinha sentido isso - que nada mais era do que amor, pura e simplesmente. Como toda mulher, passou e repassou o momento em que viu aqueles olhos da cor do céu de verão, o som da voz dele, o sorriso, curtindo aquele frio no estômago e, ao mesmo tempo, morta de medo de sofrer novamente.

Paciente como nunca tinha sido, dedicado como sempre, ele percebeu o medo da flor. Cuidou dela com delicadeza, tato e com muito amor. O piloto lhe mostrou que redomas não eram necessárias e que bom mesmo é sentir o coração batendo com força.
Aos poucos, aquelas pétalas endurecidas foram se suavizando. Seu perfume voltou a ser intenso. Ela se abriu novamente para viver a vida de verdade. Agora, a flor não tinha mais medo. Sabia que todas as coisas de que precisava para ser feliz estavam em suas mãos.
Ela sentia que amar é muito mais do que se deixar cuidar. É compartilhar sonhos, os dias, a vida. É se permitir sentir. E viver. E dividir tudo isso com ele - seu piloto, seu amor. Ele? Nunca mais sentiu aquele vazio no peito, que estava cheio das cores e do perfume da flor.

Por causa dela, o piloto agora voava de olho nos jardins, sorrindo.
Por causa do piloto, a flor agora amava o céu azul de verão, bem da cor dos olhos dele.

E, lá do céu, o jardineiro sorriu feliz, ao lado do Criador. Agora sua flor era uma mulher.

Comentários

  1. Não poderia deixar de comentar aqui também, você como eu consegue colocar muito sentimento no que escreve! Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  2. Quer saber mesmo o que eu senti? Vontade de saber logo o final! Arrepios e nó na garganta de emoção! Lindo texto, como sempre! Bjo!!!

    ResponderExcluir
  3. Francislene Cordeiro15 de março de 2017 às 08:12

    Lindo demais!!! Texto perfeito que prende nossa atenção pra não deixar de ler e saber logo o final!!! ������

    ResponderExcluir
  4. Tássia,que texto suave, singelo, gostoso de ler!
    Gosto muito de escrever também é vejo os detalhes das montagens das frases e adorei o seu jeito. Diz tanto, em tão pouco!!!! Muito bom, de verdade!
    Eita, família inteligente!!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário