Desenlace

Nota da autora #1:
Post fictício, pra exercitar um pouco o desapego, que eu preciso mudar minha temática.

Cenário: quarto. Paredes nuas, à exceção de uma prateleira com livros. Penumbra - não é possível distinguir o horário.

Personagens: um casal. Em nenhum momento veremos seus rostos completamente, apenas partes deles.

CENA 1
Close na mão da moça. Ela está pendurada para fora da cama, a palma virada para cima, num gesto de abandono e sonolência. Vemos os dedos se moverem, vagarosamente: as unhas, curtas, não estão pintadas.
Os dedos se movem, como se ela hesitasse em acordar. A câmera focaliza a outra mão, também tentando acordar. Finalmente, ela move o braço pela cama - de casal - e, a uma determinada altura, encontra outra mão.
A segunda mão está pousada sobre o colchão, com a palma para baixo. Tem pelos escuros e veias saltadas no dorso, é larga, indiscutivelmente masculina.
A moça trança seus dedos com os do rapaz; por alguns momentos, as mãos se acariciam e brincam entre si. Uma sombra denuncia que ele se virou de lado, aproximando-se da garota.
Ele passa a mão pelo braço da moça, para cima e para baixo. Ao mesmo tempo, conseguimos ver que ela está arrepiada com o carinho e ouvir uma risada gutural, a voz ainda rouca de sono.

CENA 2
Vemos o queixo do rapaz e sua boca. A barba, rala, de alguns dias, não consegue encobrir covinhas, que aparecem quando ele abre um meio sorriso. Ele beija o ombro da namorada, e, quando roça os lábios ao longo de sua clavícula, podemos pressentir, mais do que ver, uma sombra de tatuagem ali.
Quando o moço chega ao lugar em que o pescoço se encaixa nos ombros, delicadamente afasta os cabelos dela para lhe beijar a nuca. Eles são curtos, mas passam da altura do queixo, e ela já mudou tanto a cor que não sabe mais qual é a original. Agora, por exemplo, está loira, quase de cabelos brancos.
A câmera mostra que ele fala algo no ouvido dela, mas nós, espectadores, só conseguimos ouvir a trilha sonora. O corte é rápido e não permite nem leitura labial. Só vemos que ela também sorri, e que em seus lábios há um resto de batom, meio borrado, não se sabe se do sono ou se de beijos antes de dormir. Talvez a câmera passeie por seu rosto, sem mostrá-lo por completo, exibindo mais manchas de maquiagem, como rímel e sombra.

CENA 3
Contra a janela iluminada, só vemos a silhueta do casal. Eles se beijam e se acariciam. Em close, vemos a mão da moça pelas costas do rapaz e um vislumbre da mão dele envolvendo um dos seios dela. Ouvimos ruídos de seus beijos e também pequenos gemidos: os dois, logo, vão transar. A câmera sai de foco e só ouvimos as risadas e falas sem sentido do casal, seus sussurros e gemidos.
Em um determinado momento, vemos no relógio ao lado da cama que algum tempo se passou. A moça geme cada vez mais alto, chegando quase nos gritos, provocando nossa imaginação: será que realmente está bom assim?

CENA 4
Na hora em que pressupomos que ela vai gozar, a câmera retorna bruscamente para a cama: com uma das luzes de cabeceira acesa, é possível ver que ela está, na verdade, sozinha. Dorme, completamente vestida, embaixo das cobertas, e com um braço por sobre o rosto. No momento em que chega ao orgasmo, senta na cama, ofegante, como quem acorda de um pesadelo. A câmera mostra apenas o movimento de seu tórax.
Aos poucos, é possível perceber que ela se acalma, pois já não ofega tanto quanto antes. Torna a se deitar, e a câmera a mostra de costas, abraçando o travesseiro e fazendo ruídos de quem chora desconsoladamente.
Neste momento, o despertador toca e podemos ver a mão da moça desligando-o.

CENA 5
A câmera está no nível do chão. Vemos os pés da garota, descalços, quando ela se levanta. A câmera sobe; dá para ver que ela pegou o celular e discou um número. Aguardou um pouco. Ouvimos, então, a voz da moça; há um jeito de choro em seu tom. "Oi, amor. Acho que você ainda não acordou, ou não tá querendo falar comigo, né? Olha, eu só tô ligando pra dizer que tô com saudade de você... que tive um sonho com nós dois. E que ainda tá difícil, muito difícil, ficar sem você. Um beijo."
A câmera focaliza a moça de costas, desligando o celular e limpando as lágrimas. Com um suspiro, ela torna a deitar, se cobre e apaga a luz de cabeceira.

FIM

Nota da autora #2: acho que, no final das contas, o texto não saiu tão fictício assim. =/

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