Das tentações e outras delícias

No filme Advogado do Diabo, o personagem de Al Pacino faz, bem no finalzinho, um discurso sobre Deus no qual afirma, sobre as tentações:

Olhe, mas não toque. Toque, mas não prove. Prove, mas não engula.
(se quiser assistir ao trecho do filme, clique aqui)

Deus me livre discutir religião: quero falar um pouco dessa tortura que é resistir às tentações.

De pequenininhos, já sofremos. É o iogurte que a mãe não quer comprar no mercado, o brinquedinho do amigo... e bota repressão dos desejos pra resistir e se comportar.

Daí você cresce. E a coisa vai ficando feia.

Porque a criancinha chora por causa do iogurte, mas esquece dele em cinco minutos. Ou no próximo corredor do supermercado, quando encontrar outra guloseima. E gente grande fica tentada com outras delícias.

É um olhar diferente.
Um comentário malicioso.
Um decote estratégico.
Os pelos do braço arrepiados, quando encostei nele sem querer.
Os olhos dele fixos na sua boca enquanto vocês conversam. E a criatura fazendo força pra manter a concentração no assunto.

Socorro. Tô delirando.

Mas o que é a tentação, senão um delírio? Você se pega imaginando se aquela insinuação foi mesmo uma cantada; se aquela menina curte ou não uma pegada no cabelo; será que ela grita?; ah, aquelas mãos dele... e a barba, meu Deus, e a barba!

Mas, poxa, você é adulto. Não cede às tentações.

Ou pelo menos te ensinaram que você precisa resistir a elas. Vamos tentar encontrar desculpas pra não entrar na onda?

Ela é mãe do seu amigo; é ex de um brother; ele não tem nada que eu gosto; nossa, ele é machão demais; esse menino é mais novo que eu, não dá... mas o que eu faço com aquela tatuagem, por que eu não consigo resistir àquela tatuagem?

Que a gente faz com essa vontade incrível? Arranja desculpas. Inventa pretextos.

Eu? Cedo um pouquinho, depois volto atrás. Um dia fico toda encantada, doidinha pra me queimar e, no outro, respiro fundo e conto até dez.

Olho, mas não toco. Toco, mas não provo.

Até virar a esquina do corredor do supermercado - e encontrar outra guloseima.

No fundo, no fundo, somos todos crianças.

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