Carta para uma amiga

Esta carta foi escrita pela moça da história publicada aqui. Para entender o conteúdo desta mensagem, leia o texto "Another brick in the wall" primeiro.

"Minha querida amiga, como você está?

Eu tô com tanta, tanta saudade de você. Saudade de conversarmos, de seus conselhos, do seu jeito carinhoso de me ouvir e, sobretudo, de não me julgar. Mas você entende, tive de me afastar.

Ah, querida, sinto tanta falta dele. Tanta, tanta. Uma falta densa, enorme e palpável, que virou parte de mim. Tenho carregado esta dor há tanto tempo já que quase não a sinto mais. Ela é como um membro meu - um braço, uma perna - algo que trago comigo e já não me lembro mais. De vez em quando, ela se manifesta. Escuto uma música, vejo uma poesia, qualquer coisa que me faz lembrar dele e, aí, minha amiga, tudo volta.

Quando é que isso acaba? Quando, flor?



Agora mesmo acabei de ouvir aquela música do Cazuza no rádio e fiquei pensando o que foi que fiz de errado nessa história toda. Não aguentei e vim aqui chorar minhas pitangas pra você: sei que te incomodo (e já vou pedindo desculpas por isso), mas antes isso do que procurá-lo, porque ele já não tem a menor paciência para me responder.

Sabe, eu protegi o nome dele. Escondi de todo mundo, achei que você era uma das poucas pessoas que sabiam... Não contei pra ninguém, não sei se por afeto, por cuidado com ele, ou por medo, mesmo. Medo do que ele me diria, se soubesse de meus sentimentos - e soube, e me disse, no final das contas. Me afastou como mulher, como amiga, como qualquer coisa que eu pudesse ser pra ele.

Eu pensei, com todo carinho, cada coisa que fiz, para não me denunciar. Tentei ser o mais natural que pude em cada conversa que tivemos... Mas não foi suficiente: meus olhos me entregaram, meu toque contou meus segredos. Acho que eu estraguei tudo, acho que a culpa foi minha.

Eu protegi o nome deste moço, mas ele não me poupou. Ele sabe que não há mágoa, mas me senti absolutamente desnuda e desamparada quando estávamos juntos. Não tenho mais segredos para ele... pois se até o afeto que eu guardava tão profundamente ele me adivinhou? Fui roubada do véu atrás do qual me escondia; demoli aquele muro que me afastava dos outros. Tudo veio abaixo, e eu hoje moro nas palmas das mãos dele, que pode puxar minhas cordinhas, como as de um marionete.

Sabe, querida, tive alguns dias de dilema, morrendo de vergonha de ter sido surpreendida com esse sentimento enorme que não me cabe. E de repente, olhando naqueles olhos, lindos e atormentados, que ainda me prendem, me consomem, me leem tão facilmente, eu percebi: meu gostar não é algo para eu ter vergonha. Por que seria? Por que é que eu tenho que ter vergonha de me afeiçoar de alguém?

Infelizmente, ele me afastou, até como amiga. Eu não consegui me aproximar... Ficar perto dele, testemunhar suas dores, e fingir que tudo está bem, é demais para mim. Não dá.

Fico aqui, com esse buraco no peito, que só faz crescer, procurando a cada momento me desligar, não pensar, tentando seguir o conselho dele: dar o peso que cada coisa merece e me desapegar. Um trabalho de Hércules, né? - ou de São Judas Tadeu (o das causas impossíveis, que sei que de santo ele não manja... rsrs).

Ele, minha amiga, que é o rei das teorias malucas e improváveis, talvez pudesse criar uma pra explicar como posso fazer isso de um jeito fácil... Como, querida, se parece que ainda ontem eu e ele falávamos quase todos os dias, se ainda quero retê-lo em meu abraço, e escuto sua risada, irônica, rouca e gutural, até quando o silêncio me acompanha?

Outro dia, sei lá porquê, descobri que ele tem cinco jeitos diferentes de sorrir - e só de ver cada um deles, posso dizer como ele está. Eu pareço aquelas adolescentes, encontro o nome dele a torto e a direito, mesmo distraída, e vejo aqueles seus gestos tão característicos - o coçar da barba, o jeito de inclinar a cabeça quando conversa comigo, as manias italianadas - estampados bem ali, em um estranho na rua?

Como é que eu faço?

Ah, linda, eu não quero me desquerer dele; não quero. Meu coração empacou, igual criança birrenta. Mas quando chegava perto, mesmo me sentindo exposta e entregue, mesmo com cada átomo meu berrando com uma ânsia desesperada para que eu o tocasse, sentisse e abraçasse, meu cérebro gritava: 'cuidado, ele já disse que não quer, não força a barra, não força'.

Como dói respeitar. Como eu queria não ter consciência. Enfiei todo este sentimento lá no fundo do meu peito, numa sensação de vazio, de choro e tristeza, respirei uma, duas, dez vezes, e, mesmo não querendo, o respeitei. Não aguento mais chorar, mas respeito. Respiro fundo e respeito. Não tem alternativa, né?

Será que se eu seguir o conselho do Cazuza na música e sonhar acordada, eu deixo de sentir dor? O que eu queria, mesmo, é que ele não tivesse respondido o "nunca".

Tanta, tanta saudade de você, querida. Obrigada por ter tanta paciência e me ler. Me dá notícias?"


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